Extra, extra: estratégias para combater as fake news!

Por muito tempo pensamos que as pessoas acreditavam em informações falsas por não terem conhecimento das informações verdadeiras, seja por falta de acesso ou por falta de compreensão. No entanto, se tem algo que as eleições de 2018 e a pandemia da COVID-19 deixaram claro, é que muitas pessoas, mesmo tendo acesso à informação e compreendendo os fatos, continuam acreditando em informações falsas e que vão contra o consenso científico. Portanto, a ideia de que uma explicação completa e acessível resolveria a desinformação (como propõe o modelo de déficit de informação) não é realista. 

Mas, se fornecer informações corretas não é a solução, o que pode ser feito para combater as fake news? Primeiro, precisamos entender que existem dois tipos de desinformação (a desinformação que vai contra fatos simples e objetivos e a desinformação que vai contra consenso científico) e que sua sustentação depende de fatores cognitivos, sociais e afetivos. Dessa forma, medos, expressões de identidade ou até mesmo uma mentalidade conspiratória podem ter um efeito direto em como as pessoas acreditam em desinformação. Portanto, é necessário ter em mente que as pessoas podem continuar acreditando na desinformação mesmo após elas serem corrigidas, e mesmo se entenderem que a correção foi verdadeira. 

Existem duas hipóteses que tentam explicar porque as pessoas continuam a acreditar na desinformação. A primeira se baseia na conexão da rede de memória e determina que tanto a informação falsa quanto a verdadeira coexistem nela, de forma que ficam competindo para serem ativadas. Desse modo, o interessante seria conseguir integrar as duas informações para ativá-las ao mesmo tempo. Já a segunda hipótese pressupõe que as informações podem ser selecionadas no momento de serem recuperadas, de forma que apesar da correção marcar a desinformação como falsa, a pessoa é capaz de lembrar apenas da informação original sem lembrar de recuperar também a correção. Além disso, neste segundo modelo entende-se que a informação pode ser recuperada de uma forma mais automática (ex.: “Acho que já ouvi isso em algum lugar”), ou de forma mais elaborada que incluiria a recordação do contexto (ex.: “Lembro de ter lido isso no jornal de ontem”).

Figura 1. Explicação dos modelos cognitivos sobre a persistência da desinformação. Fonte: elaborado pela autora.

No entanto, independente do modelo, fica evidente que uma correção detalhada da desinformação é bem melhor do que mera retratação, pois fornecer informações corretivas adicionais pode fortalecer a ativação da informação correta na memória ou providenciar mais detalhes para apoiar a recordação da correção. Dessa forma, entende-se que quanto mais informações e mais detalhes forem repassados no momento de realizar uma correção, melhor pode ser a sua eficácia em combater a desinformação já passada.

Esse detalhamento das informações aumenta as chances de sucesso no combate às fake news, mas pode não ser suficiente sozinho. Além do conteúdo fornecido para corrigir a desinformação, é interessante considerar a relação de fatores socioafetivos à crença construída sobre informações falsas. Em relação a estes fatores socioafetivos, podemos detalhar três como principais: a credibilidade da fonte, a visão de mundo da pessoa que recebe a desinformação e as emoções envolvidas na informação falsa. A credibilidade da fonte diz respeito sobre qual é a confiança que a pessoa possui sobre a origem das informações e pode afetar a recepção de informações falsas, principalmente quando o meio de comunicação não é uma mídia tradicional (exemplo: jornal), mas sim outro meio, como o WhatsApp. Entretanto, a confiança em cada fonte é inteiramente individual: podemos lidar com alguém que não acredita em nada que vem por mensagem, ou com alguém que possui tendências mais conspiracionistas e não acredita em nenhuma informação que venha de fontes oficiais.

Além disso, a credibilidade da fonte também pode ser associada ao segundo fator, que é a visão de mundo da pessoa que recebe a desinformação. Isso pode ocorrer porque a visão de mundo de alguém é a expressão de sua própria identidade, dessa forma, atacar essa visão de mundo pode não ser tão efetivo ou até mesmo ter o efeito contrário. Portanto, as pessoas tendem a confiar mais em meios de comunicação que compartilhem seus valores e pontos de vista. Por fim, essas relações podem receber contribuição das emoções, visto que algumas correções podem causar um desconforto psicológico, levando a pessoa a desconsiderar a correção e seguir acreditando nas informações falsas para se sentir melhor. 

Considerando todos os detalhes apresentados, percebemos que, para corrigir desinformações, precisamos conseguir desviar tanto dos obstáculos cognitivos quanto dos sócioafetivos. Dessa forma, existem dois principais formatos de intervenção possíveis: debunking (desmascarar/denunciar) ou prebunking (prenunciar/prever). O processo de desmascarar (debunking) se caracteriza por reconhecer uma desinformação e fornecer informações após a exposição das pessoas a ela para fazer a correção. Já o processo de prenunciar (prebunking) diz sobre alertar as pessoas antes da exposição à desinformação para diminuir a crença em informações falsas. 

Figura 2. Diagrama exemplificando uma intervenção. Fonte: elaborado pela autora.

Intervenções baseadas em prebunking

Existem algumas intervenções mais simples e outras mais complexas, mas todas elas focam em preparar as pessoas para elas não acreditarem em desinformação. Isso pode ocorrer apresentando um aviso antes de uma notícia falsa, apresentando fatos corretos antes de qualquer contato com desinformação ou até mesmo fazendo uma correção preventiva. Para esta correção preventiva, pode ser utilizado um modelo chamado de Teoria da Inoculação

A teoria da inoculação utiliza do mesmo princípio básico das vacinas, definindo que apresentar (inocular) uma desinformação enfraquecida previamente pode aumentar a imunidade que a pessoa tem à desinformação e aumentar suas habilidades críticas. Para aplicar essa teoria, são utilizados basicamente dois passos: 1) avisar os indivíduos sobre a ameaça de haver uma informação falsa e 2) identificar as técnicas de argumentação utilizadas para espalhar mentiras e refutar os argumentos antes mesmo da exposição. Além de causar um bom efeito e evitar a desinformação sobre um determinado tema, esse modelo ainda ajuda com uma proteção relacionada a outros temas, uma vez que a pessoa aprende as técnicas de argumentação e consegue identificá-las em outros momentos. 

Figura 3. Como funciona a Teoria da Inoculação. Fonte: elaborado pela autora.

Intervenções baseadas em debunking

Apesar de ser muito importante ensinar as pessoas a reconhecerem informações falsas e realizar a prevenção, muitas vezes nos deparamos com situações nas quais precisamos apenas reagir a uma desinformação que já está estabelecida. Dessa forma, por mais que a desinformação não vá ser eliminada de uma vez por todas, precisamos garantir que ela será corrigida e que seus efeitos serão reduzidos. Para isso, podemos utilizar algumas estratégias de intervenção que são aplicadas após a exposição à desinformação. 

Para fazer uma correção posterior, devemos levar em consideração o elemento mais importante dela, que é fornecer uma informação baseada em fatos que apresenta uma explicação alternativa à explicação falsa. Neste ponto é muito importante levar em consideração as questões cognitivas e elaborar uma explicação completa e relacionada a um contexto para aumentar sua eficácia. Além disso, a desinformação deve ser repetida apenas para mostrar como ela é incorreta e sempre com um aviso anterior, de forma que ela não seja registrada como uma informação familiar. 

Outro ponto importante para realizar a correção de desinformações é apresentá-las em meios com alta credibilidade, seja pela fonte ou por envolver um especialista, e utilizar das normas sociais a seu favor (exemplo: mostrar o que pensa a maioria das pessoas). Ademais, sempre deve ser levada em consideração a linguagem utilizada, visto que ela precisa ser empática e didática, de forma que possa evitar qualquer rejeição ou falta de compreensão. Dessa forma, podemos fazer uma correção mais eficaz. No entanto, isto não garante que a desinformação será eliminada, uma vez que essa estratégia não tira a informação falsa da cabeça das pessoas, mas faz com que ela seja enfraquecida.

Figura 4. Resumo das estratégias de combate. Fonte: elaborado pela autora.

Por mais que pareça ser um processo complicado, o combate às fake news é extremamente importante porque seu impacto pode ser muito forte, guiando até mesmo o rumo que um governo toma. Portanto, aprender sobre a estrutura das desinformações e compreender todo o processo de aceitação delas é muito importante para se proteger. Além disso, por meio do conhecimento sobre combate a informações falsas é possível orientar outras pessoas e construir debates mais saudáveis e efetivos, evitando longas brigas na internet que não levam a nenhuma mudança de perspectiva, especialmente neste ano de eleições.

Referências

Ecker, U. K. H., Lewandowsky, S., Cook, J., Schmid, P., Fazio, L. K., Brashier, N., Kendeou, P., Vraga, E. K. & Amazeen, M. A. (2022). The psychological drivers of misinformation belief and its resistance to correction. Nature Reviews, 1, 13-29. https://doi.org/10.1038/s44159-021-00006-y

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Imagem da capa do post: Mão segurando celular. Ao lado se lê “combate às fake news” em fonte preta sobre um fundo preto com ícones de bloqueio. Elaboração própria.


Sobre a autora

Luisa Schimidt. Graduanda de Psicologia pela UnB e apaixonada por estudar sobre crenças. Gosta de compreender sobre como as pessoas tomam decisões e interpretam o mundo, fazendo pesquisas sobre honestidade, comunicação científica e desinformação. Gosta de tomar um bom café e aproveitar o tempo com sua gata. 

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Schimidt, L. (2022, 31 de maio). Extra, extra: extratégias para combater as Fake News! Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/05/14/de-fofocas-de-famosos-ao-resultado-de-uma-eleicao-como-funcionam-as-fake-news/

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