De fofocas de famosos ao resultado de uma eleição: como funcionam as fake news?

Quem nunca errou que atire a primeira pedra, né? Com certeza você já ouviu alguém falando isso, porque sabemos que os seres humanos estão muito suscetíveis a cometer erros ou, até mesmo, a mentir. Dentre os vários contextos onde podem existir erros e mentiras, é possível que nos deparemos com algumas informações que, posteriormente, descobrimos serem falsas. No entanto, às vezes essas informações falsas são espalhadas propositalmente com o objetivo específico de causar mal a alguém ou a algum grupo, ou promover uma ideia, e, quando isso acontece, podemos dizer que foi criada uma desinformação ou, como melhor conhecemos, uma fake news

Por mais que seja um assunto bastante comentado atualmente, a desinformação existe há muito mais tempo: existem evidências de que a desinformação pode ter ajudado a levar imperadores romanos ao poder por meio de mensagens falsas escritas em moedas [1]. Porém, a diferença que temos desde aquela época para os dias atuais está justamente na forma de divulgação da desinformação: graças a infraestrutura digital o alcance desse tipo de notícias é muito maior. Além do alcance, também podemos levar em consideração outros aspectos que envolvem as pessoas em desinformação, visto que apenas a infraestrutura digital não explica a existência e o funcionamento das fake news. Dessa forma, é necessário entender alguns fatores cognitivos, sociais e afetivos que influenciam nesse processo de acreditar ou não em uma desinformação. 

Figura 1. Quatro pessoas diferentes conectadas por meio da internet. Fonte: Freepik.

Estes fatores devem ser considerados porque todo mundo tem uma identidade e uma forma de se portar no mundo, de modo que cada processo, mesmo sendo algo geral, depende das relações, expressões, emoções e das formas de pensar de cada pessoa. Por isso, quando falamos de funcionamento das fake news (principalmente do ponto de vista da psicologia), há muito a ser explorado a respeito de como um indivíduo estrutura seus pensamentos e o contexto, coletivo e individual, de cada decisão. Além disso, apesar de parecer completamente contraditório, o processo que define se a pessoa acredita em uma desinformação ou não, normalmente, é o mesmo que estabelece as crenças verdadeiras: é no momento de decidir se é uma informação falsa ou não que as pessoas estão mais susceptíveis a influencia desses outros fatores, podendo chegar a conclusões muito mais baseadas no instinto do que em uma análise clara da situação.

Chegar em conclusões baseadas em instinto pode ocorrer facilmente quando estamos fazendo um julgamento rápido, porque podemos cair em alguns atalhos que nosso cérebro usa para entender e classificar o que ocorre ao nosso redor. Um exemplo desses atalhos é o efeito ilusório da verdade, no qual a simples repetição de uma informação pode fazer ela parecer um pouco mais acreditável do que se for dita apenas uma vez. Esse efeito ocorre porque quando a informação é repetida ela parece familiar ao nosso cérebro, de forma que ao ser recuperada sem esforço e possuindo referência na nossa memória, essa informação aparente ser mais verdadeira.

Figura 2. Pessoa pesando instinto (coração) e lógica (cérebro). Fonte: Freepik.

Outro atalho que pode ser utilizado para tomar decisões sobre a veracidade de uma informação é a forma que ela se adequa ao que a pessoa já acredita: as pessoas, normalmente, acreditam mais em informações que vêm do seu próprio grupo social, e tendem a dar menor atenção e até mesmo descartar informações que venham de outros grupos. Essa relação de grupos e crenças é um aspecto muito importante a ser considerado, especialmente quando há figuras de referência nesses grupos. Alguns indivíduos, como elites políticas e especialistas, que possuem a confiança de diversos grupos e pessoas associadas, precisam ter um cuidado maior com a comunicação, visto que podem gerar consequências graves ao espalhar desinformações. 

Para além desses aspectos sociais e cognitivos, também pode haver influência para acreditar ou não em uma informação de acordo com a emoção que ela transmite ou que sentimos no momento em que acessamos ela. Isso pode ser observado quando são repassadas mensagens que causam medo, uma vez que as pessoas que recebem essas informações podem concordar de maneira precipitada para agir de uma forma que evite causar danos a si. O movimento antivacina, por exemplo, utiliza mensagens que causam medo para levar as pessoas a evitarem tomar vacinas.  Este comprometimento emocional associado a um assunto complexo afeta a capacidade de raciocínio [2], podendo levar a uma predominância das crenças pessoais sobre a ciência ao estabelecer que os dados científicos são passíveis de julgamento individual [3]. Além disso, a emoção também pode ser bem persuasiva ao distrair os receptores da mensagem da capacidade de fazerem um diagnóstico mais acurado, ou de formarem dúvidas sobre a veracidade do conteúdo. Portanto, encorajar as pessoas a confiarem em suas emoções como forma de julgamento pode fazer com que elas fiquem vulneráveis a informações falsas. 

Figura 3. Movimento antivacina provocou medo ao gerar espalhar notícias sobre efeitos adversos da vacina da COVID-19. Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/empatia-pode-ser-chave-para-combater-fake-news-sobre-vacinas

Ainda sobre emoção, um estudo mostrou que quando uma palavra de emoção moral (exemplo: punir, ganância) era acrescentada em algum tweet sobre questões políticas altamente debatidas, a taxa de compartilhamento aumentava em 20%[4]. Isso demonstra que acreditar na desinformação e compartilhá-la ou não, depende de diversos fatores que podem ser diferentes de pessoa para pessoa e da forma que a comunicação é feita. Além de estar relacionada a diversos fatores, a desinformação pode ser sobre assuntos variados, causando diferentes impactos de acordo com sua amplitude.  

Então, pode ser que a desinformação venha por alguém compartilhando uma fofoca de um casal famoso que não é verdadeira, só por acreditar que seria uma informação interessante caso fosse real [5], como foi no caso da suposta traição da Rihanna, afetando apenas a reputação dos envolvidos. Porém, também pode acontecer que um futuro candidato à presidência se utilize de desinformação e apelos emocionais para conquistar o cargo desejado, de forma que as fake news podem influenciar toda uma campanha eleitoral e, até mesmo, o resultado de uma eleição. Combinados esses fatores e o impacto que essas mensagens carregam consigo, entendemos que mesmo que não existam fontes e haja uma baixa veracidade, a desinformação se espalha tão rápido e com tanta facilidade porque ela supre as necessidades psicológicas das pessoas. Os estragos da desinformação podem ser irreparáveis, dessa forma, devem ser estabelecidas estratégias de combate [em breve, texto no blog sobre a temática], individuais e coletivas, condizentes ao impacto de cada desinformação para garantir que as pessoas tenham acesso à informação de qualidade e que possam refletir e agir criticamente àquilo que leem e escutam.

Para saber mais

Referências

[1] de Blois, L., Erdkamp, P., Hekster, O., de Kleijn, G., & Mols, S. (2003). The Representation and Perception of Roman Imperial Power. Brill, 20-35. 

[2] McIntyre, L. (2018). Post-truth. Cambridge, MA: MIT Press. Media & Jornalismo, 19(34), 333-335. https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_25  

[3] Pivaro, G. F., & Júnior, G. G. (2020). O ataque organizado à ciência como forma de manipulação: Do aquecimento global ao coronavírus. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1074-1098. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1074

[4] Brady, W. J., Wills, J. A., Jost, J. T., Tucker, J. A., & Van Bavel, J. J. (2017). Emotion shapes the diffusion of moralized content in social networks. (2017). The Proceedings of the National Academy of Sciences, 114, 7313–7318 https://doi.org/10.1073/pnas.1618923114

[5] Ecker, U. K. H., Lewandowsky, S., Cook, J., Schmid, P., Fazio, L. K., Brashier, N., Kendeou, P., Vraga, E. K., & Amazeen, M. A. (2022). The psychological drivers of misinformation belief and its resistance to correction. Nature Reviews, 1, 13-29. https://doi.org/10.1038/s44159-021-00006-y

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Imagem da capa do post: Jornal com uma lupa na qual se lê “Fake News”. Fonte: Getty Images.


Sobre a autora

Luísa Schimidt. Graduanda de Psicologia pela UnB e apaixonada por estudar sobre crenças. Gosta de compreender sobre como as pessoas tomam decisões e interpretam o mundo, fazendo pesquisas sobre honestidade, comunicação científica e desinformação. Gosta de tomar um bom café e aproveitar o tempo com sua gata.

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Schimidt, L. (2022, 27 de maio). De fofocas de famosos ao resultado de uma eleição: como funcionam as fake news? Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/05/14/de-fofocas-de-famosos-ao-resultado-de-uma-eleicao-como-funcionam-as-fake-news/

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