Por que comemos mais em restaurantes do tipo self-service? Parte 2

Em um texto anterior, discutimos porque comemos mais em restaurantes do tipo self-service. Nele, argumentamos que utilizamos pratos maiores nestes estabelecimentos e, por isso, sofremos uma ilusão visual, a ilusão de Delboeuf. Em geral, pratos maiores são mais pesados também. Isto é relevante dado que o peso do prato também influencia no quanto comemos.

Você já deve ter notado que os pratos de self-service são bem maiores e pesados do que os pratos convencionais. Para se ter uma ideia, os convencionais pesam em torno de 300 ou 400 g e tem um diâmetro de pouco mais de 20 cm. Já os pratos de self-service pesam em torno de 800 g e tem em média 30 cm de diâmetro. Como você deve ter deduzido, essa diferença não é à toa. Ela tem a intenção de te fazer consumir mais comida. Mas como?

Para entendermos isto melhor, precisamos recorrer à Psicofísica, uma subárea muito importante da Psicologia. Ela se preocupa em estabelecer relações entre determinado estímulo (uma imagem, um som, uma sensação ao toque) e a forma como o percebemos.

Uma figura central na Psicofísica é Ernst Heinrich Weber (1795-1878), que realizou uma série de experimentos que explicam como percebemos a diferença entre estímulos de diferentes magnitudes. Nestes primeiros experimentos, Weber utilizou diferentes pesos como estímulos. Além disso, ele formulou o conceito de limiar diferencial, que é o menor incremento necessário na intensidade de um estímulo físico (o peso da comida no prato, no nosso caso) para que seja percebida uma diferença subjetiva sensorial (ou seja, quando percebemos que esta comida está mais pesada). Esta diferença subjetiva que ocorre no plano psicológico foi chamada de diferença apenas perceptível (DAP).

Uma de suas conclusões foi que quanto maior é a intensidade do estímulo de referência (o peso do prato vazio, por exemplo), maior deve ser a intensidade do incremento necessário (a comida colocada no prato) para que alguém perceba uma diferença. Ou seja, percebemos diferenças relativas, e não absolutas, quando discriminamos pesos.

Vamos exemplificar! Quando seguramos um prato vazio que pesa 400 g, é necessário colocarmos 10 g de comida nele para que percebamos ele como mais pesado. Já quando seguramos um prato de 800 g vazio, são necessárias 20 g de comida para que percebamos o prato pesar mais em nossa mão. Estes valores de 10 e 20 g são os limiares diferenciais para os pesos de referência de 400 g e 800 g, respectivamente. Para calcular estes valores utilizamos a Lei de Weber. Nós abordamos esta relação matemática no texto Psicofísica Clássica I – Lei de Weber.

É importante ressaltar que os limiares variam de pessoa para pessoa. Ou seja, algumas pessoas são mais sensíveis ao aumento do estímulo (o peso, a quantidade de luz, o volume do som) do que outras. Essa discrepância pode ser gerada por diferenças fisiológicas ou fatores psicológicos (como cansaço, euforia, expectativa etc.).

De forma simplificada, os pratos de self-service (e até os utensílios do restaurante) são maiores e mais pesados com o objetivo de nos tornar menos sensíveis ao aumento de peso e à quantidade e de comida que ingerimos. Por outro lado, uma técnica que pode se mostrar eficaz para quem busca comer menos é fazer uso de pratos pequenos e leves durante as suas refeições. Obviamente, um comportamento complexo como o comportamento alimentar é multifatorial. No entanto, fatores sensoriais não são desprezíveis e por isso são explorados pelo marketing e pela indústria de alimentos.

Referências

Bernardino, L. G. (2019, 10 de setembro). O que é psicofísica? Uma breve introdução [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/09/10/o-que-e-psicofisica/

Bernardino, L. G. (2019, 30 de setembro). Psicofísica Clássica I – Lei de Weber [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/09/30/psicofisica-classica-i-lei-de-weber/

Schiffman, H. R. (2005) Psicofísica. In: H. R. Schiffman, Sensação e Percepção (pp. 17-33). Rio de Janeiro: LTC.

Silva, J. A., & Rozestraten, R. J. A. (s.d.). Manual Prático de Psicofísica. Retirado de: https://sites.usp.br/psicofisica/pagina-1/bibliografia/

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Fonte da imagem da capa do post: verywellfit.com.


Sobre os autores

Eduardo Ronny Carlos Souza Silva. Aluno de graduação em Psicologia na Universidade de Brasília. Seu foco de atuação e estudo é em psicometria e avaliação psicológica. Filmes de terror são sua paixão.

Rafaella Ramos Gonçalves. Aluna de Psicologia e Francês na Universidade de Brasília. Possui interesse em línguas estrangeiras, porém seu foco está na neurociência. Em seu tempo livre dedica-se à literatura do século XIX.

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Silva, E. R. C. S. & Gonçalves, R. R. (2020, 13 de agosto). Por que comemos mais em restaurantes do tipo self-service? Parte 2 [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/08/13/por-que-comemos-mais-em-restaurantes-do-tipo-self-service-parte-2/

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