Por que comemos mais em restaurantes do tipo self-service? Parte 1

Você já se perguntou por que você geralmente come mais quando está em um restaurante self-service comparado quando vai restaurantes com prato feito (à la carte) ou quando come em casa? A resposta para essa pergunta é relativamente simples: os restaurantes self-service possuem pratos maiores! Mas a explicação desta resposta envolve um fenômeno perceptual mais complexo.

Como assim? Não é óbvio que uma louça menor simplesmente tem menor capacidade para o armazenamento de comida? Sim, essa justificativa não está errada, mas um processo psicológico interessante acontece neste tipo de situação. Trata-se do que chamamos de “ilusão de Delboeuf”: quando um círculo parece maior quando cercado por um círculo ligeiramente maior, comparado a um círculo de mesmo tamanho cercado por um círculo muito maior (Figura 1).

Figura 1. A ilusão de Delboeuf. Fonte: en.wikipedia.org.

No caso do restaurante, o círculo menor (ou estímulo visual com outro formato) é representado por uma refeição que se mantém constante nos dois exemplos, enquanto o círculo maior, representado pelo prato, varia de tamanho (Figura 2). É interessante notar que esta ilusão persiste independentemente do tipo de alimento colocado no prato. Ela influencia na quantidade de comida que você irá colocar no prato, levando em conta o diâmetro da louça, e também pode ser influenciada pelo contraste de cores entre a comida e a louça.

Mas como isso acontece? Por que quando olhamos para os pratos temos a percepção de que há mais comida em um do que em outro mesmo sabendo que a quantidade de comida é a mesma? Está bem definido que a ilusão de Delboeuf é causada por agrupamento e contraste,com base no tamanho relativo dos espaços dos círculos formados pelos pratos e pela comida. O agrupamento acontece quando há a percepção dos dois círculos com o mesmo centro e com uma diferença de diâmetro menor como uma unidade, compondo um único objeto. Já o contraste (ou segregação) ocorre quando a percepção dos dois círculos de diferença de diâmetro maior como dois objetos separados.

Quando a diferença entre os dois círculos (i.e., comida e prato) é relativamente pequena e nós os agrupamos, a comida do prato menor passa a ser percebida maior do que ela realmente é. Já quando a diferença entre os dois círculos (i.e., comida e prato) é relativamente grande, eles são percebidos como duas partes separadas; nós destacamos as diferenças entre eles e percebemos mais o contraste durante o processo de decodificação (quando a informação sensorial é processada pelo cérebro), levando a comida do prato maior a ser percebido menor do que ela realmente é. Quanto maior o círculo exterior (i.e., prato), maior a subestimação do círculo interior (i.e., comida). Ou seja, quanto maiores são os pratos, menores parecem as porções de comida.

Agrupamento e contraste são importantes princípios de organização perceptual. Eles foram extensivamente estudados pela Gestalt, uma importante escola de pensamento da Psicologia. Por meio destes princípios, podemos entender como o sistema visual é capaz de perceber distintos objetos em meio a uma cena visual a partir da luz visível.

Um fato curioso é que estudos feitos por Wansink e Ittersum (2012) revelaram que o tamanho médio dos pratos teve um aumento significativo (23%) desde 1900, passando de 24,4 para 30 centímetros. Além disso, o contraste de cores entre a comida e a louça também pode intensificar ou mitigar a percepção da ilusão de Delboeuf no contexto do restaurante. Um baixo contraste entre a louça e a comida (e.g., macarrão de molho branco em louça branca) aumenta o quanto a pessoa se serve em comparação com uma situação de alto contraste (e.g., macarrão de molho vermelho em louça branca).

Por fim, alguns restaurantes self-service se utilizam dessa estratégia para fazer com que os clientes consumam mais alimento, já que os pratos grandes nos levam a pensar que a quantidade de comida que colocamos neles é menor, enquanto os pratos pequenos nos dão a impressão de que colocamos mais comida no prato!

Referências

McClain, A. D., van den Bos, W., Matheson, D., Desai, M., McClure, S. M., & Robinson, T. N. (2014). Visual illusions and plate design: The effects of plate rim widths and rim coloring on perceived food portion size. International Journal of Obesity, 38(5), 657–662. https://doi.org/10.1038/ijo.2013.169

Van Ittersum, K., & Wansink, B. (2012). Plate size and color suggestibility: The Delboeuf illusion’s bias on serving and eating behavior. Journal of Consumer Research, 39(2), 215-228. https://doi.org/10.1086/662615

Watanabe, S., Hase, Y., & Nakamura, N. (2016). Do budgerigars (Melopsittacus undulatus) perceive the Delboeuf illusion?: A preliminary study with a simultaneous discrimination task. Psychologia: An International Journal of Psychology in the Orient, 59(2-3), 121–135. https://doi.org/10.2117/psysoc.2016.121

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Sobre os autores

Lisa Ferreira de Miranda. Estudante de Psicologia da UnB com interesse em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Em seu tempo livre gosta de ver séries e filmes e escutar música.

Matheus Pereira Damascena. Estudante de Psicologia da UnB voltado para pesquisa em organizações. Interessado por qualidade de vida no trabalho, procura se manter atualizado e compartilhar o conhecimento na área. Seu maior sonho é conhecer a cantora neozelandesa Lorde pessoalmente.

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Miranda, L. F., & Damascena, M. P. (2020, 21 de junho). Por que comemos mais em restaurantes do tipo self-service? Parte 1 [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/06/21/por-que-comemos-mais-em-restaurante-do-tipo-self-service-parte-1/

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