Nossos pets realmente expressam emoções ou nós humanizamos o comportamento deles?

Todos nós já nos deparamos com uma imagem ou vídeo de algum animal demonstrando algum tipo de emoção por meio da sua face. Mas será que eles realmente estão sentindo aquela determinada emoção, ou eles apenas adaptaram o seu comportamento para nos manipular? Um bom exemplo desse fenômeno pode ser visto em um vídeo que viralizou no YouTube, onde um labrador chamado Denver é confrontado pelo seu dono sobre ter comido petiscos que não eram dele, e sua reação chama atenção de quem assiste o vídeo.

A grande pergunta é: Denver realmente sentiu culpa? Ou foi apenas uma reação à indignação do seu dono? Para entendermos melhor esta questão, precisamos aprender um pouco sobre como funcionam as expressões faciais de emoção.

As pesquisas envolvendo a percepção de expressões faciais de emoção tiveram início com os estudos de Charles Darwin (1872/2000), em que ele descreveu como os animais demonstram suas intenções por meio da contração e relaxamento muscular em determinados pontos da face e como isso ajuda a prever seus comportamentos (Figura 1).

Figura 1. Expressão de emoção através do comportamento. Fonte: Darwin,1872/2013.

Os animais, por meio da evolução natural das espécies, desenvolveram a capacidade de demonstrar intenções comportamentais através da face, pois este foi o meio mais adaptativo encontrado pela evolução para a transferência de informações que poderiam auxiliar na sobrevivência. Sabemos, por exemplo, que quando um cão se sente incomodado por algum estimulo ele pode demonstrar raiva (Figura 2), que é caracterizada pelo arqueamento e junção das sobrancelhas, um brilho nos olhos e a exposição dos dentes.

Figura 2. Cão expressando raiva ao lado do ator Hugh Jackman expressando raiva. Fonte: Google imagens.

Em suas observações, Darwin percebeu que a maneira como os animais se expressavam era muito similar à expressão humana. Assim, ele passou a comparar fotos de animais e de humanos. Darwin passou a conjecturar que existiam conexões evolutivas entre os seres humanos e os outros animais. Com isso em mente, ele propôs o conceito de emoções básicas, que é um conjunto de seis emoções que são expressas universalmente por humanos e animais. São elas: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo.

O psicólogo Paul Ekman, com a intenção de investigar a universalidade de expressão das emoções básicas, realizou um estudo com membros de uma tribo isolada na Papua Nova Guiné na década de 1970. Neste estudo, ele fotografou alguns membros da tribo enquanto pedia a eles para que reproduzissem a expressões faciais de quando determinados eventos ocorriam:

Figura 3. Expressões de alegria (superior à esquerda), raiva (superior à direita), tristeza (inferior à esquerda) e nojo (inferior à direita). Fonte: paulekman.com.

Ekman comparou a fotos dos membros da tribo com expressões de pessoas de outras localidades e chegou a conclusão de que a teoria da universalidade das emoções proposta por Darwin cem anos antes estava correta. Entretanto, não existe um consenso quanto a existência ou não da universalidade das expressões básicas. Há quem discorde completamente desta teoria (Barrett, 2017) e ainda pesquisas que propõem menos emoções básicas (Jack, Garrod, & Schyns, 2014).

Mesmo sem a existência de consenso sobre a teoria da universalidade das emoções, as seis emoções básicas (Figura 5) nos auxiliam a perceber o que os nossos animais podem estar sentindo dependendo do contexto em que apresentam determinada emoção. Hoje sabemos que donos de animais possuem uma maior facilidade em perceber as seis emoções básicas nos seus pets e uma dificuldade em atribuir emoções mais complexas (Konok, Nagy, & Miklósi, 2015).

Figura 4. Representação das seis emoções e de uma face neutra. Neutral (neutro), sadness (tristeza), fear (medo), anger (raiva), hapiness (alegria), surprise (surpresa) e disgust (nojo). Fonte: futurelife.us.

Um estudo conseguiu demonstrar que cães conseguem distinguir as emoções básicas tanto em outros cães como nos seus donos (Albuquerque, Guo, Wilkinson, Savalli, Otta, & Mills, 2016). Este estudo pode ser um indicador de que os animais são mais sensíveis cognitivamente do que imaginávamos. Porém, uma pergunta continua no ar: os animais são capazes sentir como os humanos?

Mesmo que ainda não seja possível responder esta perguntar, a ciência está conseguindo encontrar pistas que dão indícios de que os animais entendem nossos sentimentos e conseguem responder de acordo. Mesmo que exista a possibilidade de que humanizamos o comportamento dos nossos pets, o processo de domesticação e o constante contato com os seres humanos pode ser um fator importante para entendermos a expressão emocional dos animais.

Referências

Albuquerque, N., Guo, K., Wilkinson, A., Savalli, C., Otta, E., & Mills, D. (2016). Dogs recognize dog and human emotions. Biology Letters12(1), 20150883. https://doi.org/10.1098/rsbl.2015.0883

Barrett, L. F. (2017). How emotions are made: The secret life of the brain. Houghton Mifflin Harcourt.

Darwin, C. R. (2000). A expressão das emoções nos homens e nos animais (2ª ed., L. S. L. Garcia, Trad). São Paulo: Companhia das Letras (Texto original publicado em 1872).

Ekman, P. (1970). Universal facial expressions of emotions. California Mental Health Research Digest, 8(4), 151-158.

Jack, R. E., Garrod, O. G. B., & Schyns, P. G. (2014) Dynamic facial expressions of emotion transmit an evolving hierarchy of signals over time. Current Biology 24(2), 187–192. https://doi.org/10.1016/j.cub.2013.11.064

Konok, V., Nagy, K., & Miklósi, Á. (2015). How do humans represent the emotions of dogs? The resemblance between the human representation of the canine and the human affective space. Applied Animal Behaviour Science162, 37-46. https://doi.org/10.1016/j.applanim.2014.11.003

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Fonte da imagem de capa do post: pt.quizur.com.


Sobre o autor

Stevam Lopes Alves Afonso. Psicólogo e doutorando em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília. Possui interesse em pesquisas envolvendo emoções. Gosta de vídeo games e hambúrgueres.

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Afonso, S. L. A. (2020, 2 de abril). Nossos pets realmente expressam emoções ou nós  humanizamos o comportamento deles? [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/04/02/nossos-pets-realmente-expressam-emocoes-ou-nos-humanizamos-o-comportamento-deles/ 

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