O mistério do sorriso de Mona Lisa

O quadro de Mona Lisa, pintado entre 1503 e 1506, se encontra atualmente no Museu do Louvre em Paris e é considerado a obra de arte mais famosa e importante da história. Parte disso se deve ao mistério do seu sorriso. De interpretação dúbia, ele já foi visto como inocente, maternal, convidativo, triste e até lascivo. E isto tem intrigado a comunidade artística e científica ao longo dos tempos.

Figura 1. Mona Lisa, quadro de Leonardo da Vinci exposto no Museu do Louvre em Paris, França. Imagem retirada do site: escafandro.blogtv.uol.com.br

Muitos investigadores tentaram explicar o mistério ao redor deste sorriso. Sigmund Freud interpretou o sorriso de Mona Lisa como uma atração erótica de Leonardo da Vinci em relação a sua mãe.

A professora Margaret Livingstone, da Universidade de Harvard, afirmou que o sorriso da Mona Lisa desaparece quando olhado diretamente. Isso acontece porque usamos a visão foveal, acurada para cores e detalhes, melhor para perceber frequências espaciais altas. Como o sorriso está quase totalmente em frequências espaciais baixas, a visão periférica é melhor para percebê-lo, já que processa com mais eficiência esta faixa do espectro visual. Sendo assim, o sorriso só se torna aparente se o observador fixar a atenção nos olhos ou em outra região da face.

Isto está relacionado com os diferentes canais de transmissão da informação, como mostrou Luis Martinez Otero, do Instituto de Neurociências de Alicante, Espanha. As células da retina são especializadas para transmitir diferentes categorias de informação: brilho, localização, frequência espacial etc. E como o olho humano envia sinais misturados ao córtex, um canal de transmissão pode sobrepor-se ao outro. Por isso, às vezes vemos o sorriso, outras vezes não.

Um dado interessante desta pesquisa é que os participantes começavam a ver o sorriso mais aparente a partir do momento que viam o retrato num tamanho aumentado ou de perto. Isto sugere que as células da retina que completam a visão da região do ponto cego convergem informações da mesma maneira que a visão periférica.

Figura 2. Aplicação de ruído visual feito por Kontsevich e Tyler (2004).

Já Christopher Tyler e Leonid Kontsevich, do Instituto de Pesquisa do Olho Smith-Kettlewell de São Francisco, afirmam que a aparente mutabilidade do semblante da Mona Lisa se deve, em parte, a uma fonte diferente: o ruído randômico do sistema visual, uma atividade cerebral natural e ininterrupta de descargas neurais de padrão aleatório que pode ser comparado, numa analogia distante, ao efeito causado por um canal de TV mal sintonizado. Ele também pode ser causado por flutuações de fótons que atingem as células foto-receptoras. Estes pesquisadores sugerem que o estado emocional da Mona Lisa é codificado por poucos pixels que se encontram nos cantos de sua boca. Um ruído que aumenta o canto da boca, passa a impressão de felicidade e um ruído que rebaixam seus lábios a faz parecer mais triste.

Outra tentativa de desvendar o mistério do sorriso da pintura foi feita pelo grupo de pesquisa de Nico Sebe, da Universidade de Amsterdã, em conjunto com colaboradores da Universidade de Illinois, que tentou revelar o famoso sorriso da Gioconda através de um algorítimo desenvolvido e de um programa apropriado para reconhecer emoções. A expressão emocional é determinada pela comparação de dados dos traços faciais, como curvatura dos lábios e rugas ao redor dos olhos, que são cruzados entre o quadro de Da Vinci e de um banco de faces de mulheres jovens. A análise sugere que a Mona Lisa estava 83% feliz, 9% angustiada, 6% assustada e 2% chateada.

Mais recentemente, pesquisadores do Centro de Pesquisa e Restauração de Museus da França e do European Synchrotron Radiation Facility afirmaram que o efeito de mistério se deve à técnica que Da Vince utilizava, o sfumato, responsável pelo efeito esfumaçado. Ele chegava a aplicar 40 camadas de esmalte sobre a tela que, junto a outros pigmentos, cria borrões e sombras nos lábios que faz com que o sorriso pareça ser quase imperceptível quando visto de frente. O estudo foi conduzido por meio de espectometria por raios x fluorescentes, que não necessita da retirada de amostras.

Será que Leonardo da Vinci pretendia causar esta confusão nos cérebros dos observadores, sem mencionar os dos cientistas? Provavelmente. Em um de seus livros ele disse que estava tentando pintar expressões faciais dinâmicas, porque era isto que ele via nas ruas.

Por fim, vale lembrar que as visões científicas tentam desmistificar técnicas que os pintores têm utilizados há muito tempo, e os achados não desmerecem de forma nenhuma o trabalho destes artistas.

Referências

Kontsevich, L. L., & Tyler, C. W. (2004). What makes Mona Lise smile? Vision Research, 44, 1493-1498. https://doi.org/10.1016/j.visres.2003.11.027

Livingstone, M. S. (2000). Is it warm? Is it real? Or just low spatial frequency? Science, 290, 1299. https://doi.org/10.1126/science.290.5495.1299b

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Fonte da imagem de capa do post: Kontsevich e Tyler (2004, Vision Research).


Sobre o autor

Rui de Moraes Jr. é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília.

Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 03/11/2010.

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de Moraes, R., Jr. (2019, 1 de dezembro). O mistério do sorriso de Mona Lisa [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/12/01/o-misterio-do-sorriso-de-mona-lisa/ 

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