Ilusões de imagens híbridas: Como nosso sistema visual segrega informações de frequência espacial?

A manipulação digital de imagens provê ilusões visuais incríveis e nos ajuda a entender como o sistema visual humano funciona. Um grande exemplo é a ilusão “Dr. Angry and Mr. Smile” (tradução livre: Dr. Irritado e Sr. Sorriso) construída pelos pesquisadores Philippe G. Schyns, da Universidade de Glasgow (Escócia) e Aude Oliva, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA).

Observe as duas faces das imagens abaixo. O rosto da direita apresenta uma mulher com semblante calmo e à esquerda podemos observar um homem zangado. Agora se distancie cerca de 3 metros da imagem e veja o resultado. As imagens mudam de expressão: a da direita sorri e a da esquerda fica com uma feição calma. Como isso acontece? Para desvendar isso teremos que saber como elas foram construídas e ter noção de alguns conceitos físicos.

Figura 1. Ilusão de mudança de expressão emocional em função da distância do observador. Se afaste alguns metros para ver a alteração do semblante (modificado de Schins e Oliva, 1999).

Toda energia eletromagnética de uma cena visual complexa que chega à retina carrega uma série de informações diferentes. Entre elas está a análise das frequências espaciais, ou seja, o número de variações periódicas de luminância em determinado espaço. Uma imagem normal contém um padrão complexo de intensidades de luz, ou altas variações das frequências espaciais, contendo desde frequências muito baixas a frequências muito altas. Padrões de altas frequências consistem em elementos finos e detalhes. Já os padrões de baixa frequência compõem elementos largos e grosseiros.

Figura 2. Ilustração didática do conceito de freqüência espacial. Retirado de webvision.med.utah.edu.

Por meio de uma técnica matemática, a Transformada de Fourier, podemos tomar a distribuição complexa da luz que abrange a cena visual, analisando-a em componentes senoidais simples e trabalhar a imagem em seu domínio de frequência. A partir disso, podemos utilizar filtros: remover ou preservar seletivamente faixas de frequências espaciais. Quando removemos as altas frequências, ou seja, os contornos finos e detalhes de borda, estamos utilizando um filtro passa-baixa, e obtemos uma imagem embaçada. Já quando excluímos as baixas frequências do espectro visual, estamos utilizando um filtro passa-alta, e obtemos uma imagem com contornos delicados sem variações de larga escala.

As frequências espaciais altas são melhor percebidas à uma distância curta entre o observador e o objeto. Elas são transmitidas por células retinianas ganglionares P (do latim parvum, pequeno), que possuem campos receptivos pequenos que, por sua vez, reagem a detalhes minuciosos. As baixas frequências, ao contrário, são vistas a uma maior distância e estimulam células retinianas ganglionares M (do latim magnum, grande) que possuem campos receptivos grandes, o que as tornam praticamente incapazes de fazer discriminações finas.

A ilusão apresentada acima, ao ser construída, se valeu de uma técnica de processamento digital de imagens, o morphing. Por meio dela, duas imagens são sobrepostas de maneira a formar somente uma imagem híbrida. A imagem à direita é composta por uma face neutra em passa-alta (contendo altas frequências) e outra sorrindo em passa-baixa (contendo baixas frequências), e a imagem à esquerda é composta por uma face zangada em passa-alta e uma face neutra em passa-baixa. Como as frequências espaciais são captadas por diferentes vias neurais em função da distância, nós vemos a transformação das expressões emocionais nas faces ao nos distanciarmos delas.

A ideia trazida pelas imagens híbridas não é nova. Por década artistas vêm criando trabalhos que, dependendo de como são vistos, parecem diferentes, como a pintura de Salvador Dali, Mercado de escravos com o busto evanescente de Voltaire, pintada em 1940. Mais recentemente, os pesquisadores Aude Oliva e Antonio Torralba, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, disponibilizaram na rede um site com uma galeria de imagens híbridas de freqüências altas x baixas (http://cvcl.mit.edu/hybridimage.htm). Abaixo uma das ilusões construídas por estes pesquisadores.

Figura 3. Marylin-Einstein; Albert Einstein em altas frequências e Marylin Monroe em baixas frequências: se afaste alguns metros para ver a alteração (Aude Oliva, MIT, 2007).

Referências

Schyns, G. P., & Oliva, A. (1999). Dr. Angry and Mr. Smile: when categorization flexibly modifies the perception of faces in rapid visual presentations. Cognition, 69, 243-265. https://doi.org/10.1016/S0010-0277(98)00069-9

Oliva, A., Torralba, A., & Schyns, P. G. (2006). Hybrid Images. ACM Transactions on Graphics, ACM Siggraph, 25-3, 527-530. https://doi.org/10.1145/1141911.1141919

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Sobre o autor

Rui de Moraes Jr. é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília.

Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 03/11/2010.

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de Moraes, R., Jr. (2019, 1 de dezembro). Ilusões de imagens híbridas: Como nosso sistema visual segrega informações de frequência espacial? [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/12/01/ilusoesde-imagens-hibridas/ 

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