Você já passou por um resfriado daqueles em que, por mais que tentasse cheirar o perfume da pessoa que gosta, aproximasse uma flor do seu nariz, ou desse aquela “fungada” perto de comida apetitosa não conseguia sentir o cheiro de jeito nenhum? E quando você coloca a comida em sua boca e ela não parece ter o mesmo sabor que costumava ter?
Pois bem, a perda de olfato é um fenômeno extremamente desagradável em qualquer ocasião, mas você sabia que ela se divide em dois tipos básicos? A Hiposmia corresponde à perda parcial do olfato, enquanto a Anosmia corresponde à perda total. Seja qual for a forma, total ou parcial, esse déficit olfativo pode ainda ocorrer de maneira temporária, como no caso de um simples resfriado ou acidentes leves, mas também é possível que seja permanente, causada por uma lesão grave nos nervos olfativos como, por exemplo, nos casos de traumatismo ou tumor. De modo muito raro, há também aqueles que possuem perda olfativa desde o nascimento — são os casos de anosmia congênita.
A perda do olfato é muito mais do que apenas deixar de sentir cheiros bons. A olfação, ou o ato de sentir odores, é primordialmente um modo de proteção e sobrevivência para nossa espécie. Imagine se uma comida estiver estragada, se ocorrer um vazamento de gases tóxicos ou algo estiver queimando: o olfato torna possível perceber essas situações e assim evitar uma intoxicação e acidentes maiores. Nesses casos, o déficit olfativo pode ocasionar riscos à saúde, segurança e mesmo à vida daquele que o possui e, por isso, recomenda-se a essas pessoas o uso de aparelhos sinalizadores de gás, fumaça ou calor.
Para compreender a perda do olfato, precisamos entender como ocorre o funcionamento deste sentido. Os odores que sentimos vêm das partículas químicas que se encontram no ar e que são emitidas, ou expelidas por “fontes cheirosas”. Essas partículas entram no nosso nariz pelas fossas nasais, atingindo a cavidade nasal, e se encaixam quimicamente em neurônios receptores olfatórios localizadas na mucosa nasal. Esse encaixe químico funciona como uma “leitura” desses neurônios, e as informações obtidas do ambiente são encaminhadas por meio do nervo olfatório para o cérebro, que vai fazer a identificação sobre do que se tratam aqueles odores, seus potenciais riscos e o que eles sinalizam para o indivíduo.
Em indivíduos com anosmia e hiposmia, a incapacidade de identificar cheiros ocorre porque há algum prejuízo no funcionamento desse sistema, seja porque a mucosa e neurônios receptores olfatórios são danificados ou bloqueados, seja porque não possuem capacidade adequada de reposição de células, ou por alguma lesão em algum tecido entre os neurônios receptores e o bulbo olfatório localizado no cérebro. Estima-se que entre 3 e 20% da população mundial é atingida com a perda parcial ou total do olfato e há estudos mostrando que, em pacientes com queixas de anosmia ou hiposmia, há 40% de ocorrência de parosmia (percepção olfatória distorcida) ou fantosmia (alucinação olfativa, ou seja, sensação de odores na ausência de estímulos olfativos).
O déficit olfativo, por si só, já é danoso e incômodo, mas ele costuma ainda vir acompanhado da perda do apetite. Isso acontece porque o paladar compartilha neurônios corticais com o olfato, permitindo a identificação do sabor das comidas. E se há comprometimento em um sentido, muito provavelmente isso também se estenderá ao outro. Essa soma é muito aborrecedora, pois, quando não é possível haver essa diferenciação no sabor, perdemos o prazer em nos alimentarmos, o que leva a diminuição da vontade de comer. No longo prazo, há a perda da qualidade de vida e uma sensação de vazio perceptivo, o que está associado a altos índices de depressão em pacientes que sofrem de anosmia.
Para melhor identificar esses sintomas, existem ferramentas para avaliar a percepção der odores, como o Teste de Identificação de Olfato da Universidade da Pensilvânia. Este teste dispõe de mais de 40 odores a serem identificados pelo sujeito, sendo um teste prático e confiável de ser aplicado para avaliar déficits do olfato. Uma vez que a perda olfativa é comprovada, a única intervenção com evidências de eficácia até o momento é o treinamento olfativo. Essa técnica é uma espécie de fisioterapia, ainda pouco conhecida e inusitada, para a reabilitação do olfato em que ocorre a inalação de odores ou óleos essenciais. No treinamento clássico são inalados: limão, eucalipto, cravo e rosas.
Com a pandemia da COVID-19, causada pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), muitas pessoas sofreram com a perda ou diminuição olfativa e a alteração do paladar. Ainda vem sendo investigado e debatido como a anosmia causada por este vírus realmente acontece. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Brasília compilou e discutiu os principais achados sobre alterações da sensação e da percepção em função da COVID-19. Interessante notar que, para aqueles que sentem cheiros normalmente, a olfação passa despercebida no dia a dia, mas a partir do contexto pandêmico de 2019-2022, passamos a conhecer mais pessoas que perderam em algum nível a capacidade olfativa. Se você conhece alguém que contraiu COVID-19 e apresentou como sintoma anosmia/hiposmia — talvez você mesmo —, sabe o quanto a perda de olfato influencia de maneira negativa o cotidiano. Essa perda de contato com parte da realidade física pode afetar consideravelmente seu humor e ocasionar desordens psicológicas, como ansiedade e depressão, além de dificuldades nas relações pessoais.
Se já ficamos mal com uma gripe, imagine as pessoas que convivem com essa perda de maneira prolongada ou mesmo definitiva? Apesar de ter ganhado maior atenção com a pandemia da COVID-19, o olfato ainda é um dos sentidos menos estudados e cuja importância ainda parece ser ignorada ou subjugada. É relevante saber sobre suas alterações e desordens, pois estes têm impactos na saúde e qualidade de vida da população. Sigamos nesse rastro!
Para saber mais
Referências
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Pereira, A. C., Maia, A. C., Gomes, P., Marins, G., & Filho, R. (2020). Revisão bibliográfica: Anosmia no COVID-19. Revista Científica da FMC, 15(2), 96-99. https://doi.org//10.29184/1980-7813.rcfmc.413.vol.15.n2.2020[RMJr1]
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Sobre as Autoras
Andréa Ambrozio. Graduanda em Psicologia pela Universidade de Brasília, adora entender os universos individuais plurais e tem interesse pela Psicologia Clínica, Psicologia da Saúde, Neuropsicologia, Processos do Desenvolvimento Humano e Educação. Sempre que possível, aproveita para estar na natureza, viajar, ouvir música boa, dançar, ler livros e assistir filmes interessantes ou encontrar pessoas que gosta.
Taiane Vilhena. Graduanda em Psicologia pela Universidade de Brasília. Ainda tentando se encontrar neste mundo de possibilidades que a Psicologia oferece. Apaixonada por viajar e conhecer novas culturas. Nas horas vagas, gosta de ler um bom livro e praticar atividade física.
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Ambrósio, A. M. C., & Vilhena, T. (2023, 28 de fevereiro). O que aconteceria se você perdesse o olfato? Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2023/02/28/o-que-aconteceria-se-voce-perdesse-o-olfato/