A pandemia de Covid-19 vem deixando sua catastrófica marca na humanidade desde 2020, levando milhares de vidas diariamente e intensificando as desigualdades sociais ao redor do mundo. Especialistas vêm alertando a sociedade sobre a necessidade urgente das pessoas se manterem em isolamento físico a fim de conter os níveis de contaminação pelo SARS-CoV-2.
Embora o Brasil não seja o melhor exemplo de país a aderir à prática do lockdown, seja por falta de ações efetivas do Governo Federal ou pelo negacionismo científico de autoridades e da população, o distanciamento foi aplicado em alguns níveis e a nossa rotina de contato foi alterada. Muitos encontram-se em isolamento físico, o que nos leva a questionar: quais os impactos desse afastamento para a nossa percepção sobre as relações cotidianas?
Faz parte da cultura brasileira “aquele abraço”, do mais apertado ao tapinha nas costas e hoje, mais do que nunca, esse contato afetivo seria bem-vindo, entretanto é o que muito devemos evitar no contexto atual. Um estudo realizado na University College of London no Reino Unido, sob supervisão de Mariana Von Mohr, demonstra que o toque suave num indivíduo pode provocar alterações sobre sua percepção em relação à dor física e, além disso, pode amenizar sensações de exclusão social.
Mas porque sentimos falta do contato social e necessitamos dessa proximidade? Podemos encontrar informações sobre essa questão na evolução ao observando a história da nossa espécie ao longo dos milhões de anos e por meio das descobertas da neurociência. A proximidade social e o apego são essenciais para nossa sobrevivência e aliviam o estresse. Caso ameaçados, nosso bem-estar físico e psíquico pode ser prejudicado. Com isso, quando estamos mais excluídos, como em isolamento físico, há evidências científicas que somos afetados cognitivamente, fisiologicamente e afetivamente. Há estudos de neuroimagem que mostram uma sobreposição de áreas do cérebro que processam a dor física e o sentimento de exclusão. Mas o que isso significa? Isso nos informa sobre quando em exclusão, ativa-se um sistema de detecção de ameaças, e assim, vivenciamos a dor social, que funciona como uma pista para nos incentivar a buscar uma reconexão entre pessoas. Dessa forma, esse sistema funciona como um regulador homeostático interpessoal.
Outras pesquisas da neurociência mostram a ativação de áreas do cérebro que evidenciam os benefícios de um apoio social relacionados a uma regulação emocional e homeostática, amenizando os efeitos negativos da exclusão. Então, que tal mandar uma mensagem amigável para as pessoas que você se importa nesse momento de pandemia?! Entretanto, ressaltamos que ainda não há evidências fortes de envio de mensagem como um bom meio de apoio social. Apesar disso, é essencial mantermos bons vínculos para o nosso bem-estar psicológico e físico.
Uma forma que fazemos para demonstrar o apoio social é por meio do toque. Muitas pessoas relatam sentir falta do toque durante a pandemia e isso as afeta em várias dimensões. Nós, espécie humana, somos essencialmente sociais e gregários, e o toque é muito importante para criação de laços e está muito presente nos nossos relacionamentos, seja ele romântico, amigável ou parental. E alguns estudos sugerem que informações táteis em situações de alto estresse podem até ser mais confiáveis em relação a outras modalidades sensoriais. E você, também vem sentindo falta do toque e o considera importante?
Apesar de não conseguirmos voltar milhões de anos, no início da nossa espécie, podemos estudar os mamíferos não-humanos, como os macacos, a fim de compreender mecanismos psicológicos, traços e comportamentos que adquirimos ao longo da nossa história como espécie. Com isso, os pesquisadores observaram que para esses animais a estimulação tátil também tem efeitos para amenizar o estresse, assim como é importante para manutenção de relacionamentos, mostrando-se um bom meio para resolver esses problemas enfrentados há anos.
Estudos científicos mapearam em humanos um sistema especializado de fibras nervosas chamadas CT (ou C-táteis). Elas funcionam como mecanorreceptores de baixíssimo limiar que respondem ao toque suave e ainda lhe atribuem significado. A sua resposta a estimulação lenta (1 a 10 cm/s) é interpretada no córtex cerebral como afetuosa e a rápida (por volta de 30 cm/s) como neutra. O toque afetuoso, que transmite intenções sociais positivas, está relacionado à diminuição da frequência cardíaca, a intensificação da atividade do sistema opioide (associado à regulação da dor e a conexão social), a normalização do nível de cortisol e a redução da atividade cerebral nas regiões do córtex pré-frontal e do córtex cingulado anterior ventrolateral e dorsolateral.
Todavia, o toque lento realizado em localidades sem a presença de fibras CT também pode ser percebido como agradável e eliciar respostas fisiológicas redutoras de estresse, o que indica a existência de outros fatores envolvidos na percepção de significado do toque. Uma diferença registrada na estimulação de regiões corpóreas com e sem essas fibras é a ativação mais intensa do músculo zigomático maior (o músculo do sorriso) quando há presença das C-táteis. Uma hipótese formulada para explicar isso é a de que as fibras CT estão relacionadas a uma percepção inata de recompensa, enquanto as sensações positivas decorrentes da estimulação em outras áreas são aprendidas ao longo da vida.
Um paradigma que exemplifica como o toque afetuoso associado a fibras CT pode reduzir a angústia gerada pelo sentimento de exclusão social é o Cyberball. Pesquisadoras da University College London realizaram um estudo no qual voluntários participaram de um jogo online de arremessos de bola. Cada participante acreditava estar jogando com outras duas pessoas (que eram, na verdade, computadores) e que os jogadores poderiam escolher para quem arremessar a bola. Na primeira partida, todos receberam o mesmo número de arremessos e, ao final, responderam um questionário que verificava a sensação de pertencimento experienciada. Na segunda, os participantes receberam apenas dois arremessos e foram excluídos dos restantes. Posteriormente, foram vendados e tiveram uma região da pele com fibras CT estimulada pelos experimentadores e, somente depois, responderam novamente o questionário. Como resultado, foi observado que a estimulação tátil lenta em região com presença das C-táteis está associada a uma diminuição significativa de sentimentos de angústia provocados por situações de exclusão social, ainda que eles não sejam totalmente eliminados.
Para fins de curiosidade, outra evidência da importância do toque pele a pele é o método canguru, uma prática humanizada que consiste em manter o recém-nascido prematuro ou com baixo peso em contato com a pele da mãe e/ou do pai. Deste modo, nota-se evolução no desenvolvimento do bebê, uma vez que o método beneficia o vínculo parental, estimula a amamentação, favorece a estimulação sensorial, reduz o estresse e a dor física do recém-nascido, além de aquecer o bebê – o que auxilia no ganho de peso. Mais uma vez, considerando a pandemia de COVID-19, o grupo de consultores nacionais da Atenção Humanizada ao Recém-Nascido da Fiocruz traz recomendações de que maiores cuidados devem ser tomados com a prática no contexto atual.
Ainda sobre o apoio social, em ato de desespero, a enfermeira brasileira Lidiane Melo criou a técnica da luva com água morna para aferir a pressão arterial dos pacientes com COVID-19. Embora o contato não se dê entre peles, o método é válido para fomentar estudos futuros que possibilitem investigar quais fatores influenciam para garantir o mínimo conforto psicológico dessas pessoas a partir da simulação de contato humano.
Diante de tudo isso, podemos observar evidências científicas sobre a importância do toque para o desenvolvimento e para as relações humanas. E, além disso, especular novas possibilidades de investigação no que diz respeito aos sentidos da pele e vínculos sociais, de modo que a pesquisa científica siga se aproximando cada vez mais de situações cotidianas.
Por fim, as informações aqui apresentadas não servem de pretexto para afrouxamento das medidas medidas de isolamento físico. Muito pelo contrário! Ao saber dos efeitos adversos do distanciamento físico das relações sociais, devemos fazer nossa parte dentro de um esforço coletivo para conter a circulação do SARS-CoV-2 e, consequentemente, a pandemia de COVID-19.
Referências
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G1 DF. (09 de abril de 2021). Covid-19: Pacientes em UTI pública no DF recebem luvas com água morna para que se sintam amparados. G1. https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/04/09/covid-19-pacientes-em-uti-publica-no-df-recebem-luvas-com-agua-morna-para-que-se-sintam-amparados.ghtml
Shalders, A. (28 de março de 2020). Sair do isolamento agora é querer voltar a mundo que não existe mais, diz virologista Atila Iamarino. BBC NEWS. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52061804
Sociedade Brasileira de Pediatria. (17 de julho de 2017). Entenda o método canguru, atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso. Empresa Brasil de Comunicação – EBC. https://memoria.ebc.com.br/infantil/para-pais/2015/07/entenda-o-metodo-canguru-atencao-humanizada-ao-recem-nascido-de-baixo
Von Mohr, M., Kirsch, L.P. & Fotopoulou, A. (2017). The soothing function of touch: Affective touch reduces feelings of social exclusion. Scientific Reports, 7, 13516. https://doi.org/10.1038/s41598-017-13355-7
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Fonte da imagem da capa do post: Claudio Schwarz | @purzlbaum on Unsplash.
Sobre as autoras
Natália Lemes Sixel Lobo. Graduanda em Psicologia pela UnB e integrante do Laboratório de Ciências Criminais do IBCCRIM do Distrito Federal. Tem interesse nas áreas de Psicologia da Saúde e Psicologia de Emergências e Desastres. Em seu tempo livre gosta de testar receitas, ler histórias de ficção, tirar um cochilo na rede e irritar sua cachorrinha, Athena.
Vitória Mendes Araújo. Estudante de Psicologia na UnB com interesses em Psicologia Social e Evolucionista, em especial no que diz respeito à cognição social, mudanças sociais, preconceito e comportamento em grupo. Além disso, sente que gatinhos, forró e música melhoram o sentido da vida e acredita na educação enquanto meio de emancipação política dos sujeitos.
Yasmin Nunes Melo. Graduanda em Psicologia pela UnB. Além de estudar sobre pessoas, cultura, sociedade, evolução e educação, gosta de estar com seus amigos e família e praticar esportes. Ama música e é fã de Taylor Swift. É mãe de filhote de quatro patas e possui preferências por filmes e séries de drama.
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Lobo, N. L. S., Araújo, V. M., & Melo, Y. N. (2021, 31 de maio). A importância do toque para redução do estresse e sentimentos de exclusão social. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2021/05/31/a-importancia-do-toque-para-reducao-do-estresse-e-sentimentos-de-exclusao-social/