Psicofísica Clássica IV – O Método dos Estímulos Constantes e o Método das Escadas (Staircase)

Nem pior e nem melhor, apenas diferentes

No ano passado (2010), a Psicofísica completou 150 anos. Esta data está relacionada à publicação do livro “Elemente der Psychophysik” (1860) de Gustav Theodor Fechener (1801-1887). Neste livro, Fechner descreveu três métodos básicos para a investigação psicofísica, que ficaram conhecidos como Métodos Clássicos. Dentre estes métodos, está o Método dos Estímulos Constantes (MEC), que juntamente com o Método das Escadas (ME), são os mais amplamente empregados na Psicofísica para o cálculo de constantes estatísticas como limiar, medida de precisão ou ponto de igualdade subjetiva (PIS).

Inúmeros artigos científicos já foram escritos sobre a eficiência de cada método, há defensores e detratores dos dois lados. Este texto tem por objetivo expor como cada método funciona, suas vantagens e desvantagens. Desse modo, espero que você possa ter um olhar crítico sobre eles. É evidente que não tenho a pretensão de esgotar o assunto e nem colocar um ponto final nesta discussão.

Primeiro vamos falar sobre o Método dos Estímulos Constantes. Para entender a aplicação deste método, vamos imaginar um experimento sobre percepção de tamanho, no qual os estímulos seriam os círculos da Figura 1.

Figura 1: Exemplos de estímulos de nosso experimento hipotético sobre comparação de tamanhos utilizando o Método dos Estímulos Constantes (MEC). O incremento de tamanho entre círculos sucessivos é sempre igual.

Nesta Figura, temos 7 círculos de diferentes tamanhos. No MEC há sempre um estímulo padrão (EP), chamado assim porque suas propriedades físicas (tamanho, forma, cor) são constantes no decorrer do experimento. Por outro lado, temos os estímulos de comparação ou teste (ET), os quais variam em alguma dimensão (no nosso exemplo é o tamanho) em relação ao EP. Em geral são escolhidos valores acima e abaixo do EP. No nosso caso, o padrão seria o círculo 4 e os outros 7 círculos (o 4 incluído) seriam os ET.

Assim, os estímulos (padrão e teste) são apresentados aos participantes de modo sucessivo ou simultâneo e a tarefa consistiria em julgar se o ET é maior ou menor do que o EP. Cada uma das combinações possíveis (estímulo padrão-estímulo teste) é apresentada repetidas vezes (no mínimo 20 vezes) de forma aleatória, o que permite a obtenção da proporção de respostas em que o ET é indicado como maior que o EP. Essas proporções são então ajustadas a uma função, gerando uma curva psicométrica e permitindo o cálculo dos parâmetros de interesse dos psicofísicos. Na Figura 2, temos um exemplo de uma destas curvas.

Figura 2: No eixo das abscissas (x) estão os estímulos, no nosso caso são os círculos da Figura 1, aqui também numerados de 1 a 7. No eixo das ordenadas (y) está a proporção de vezes que o estímulo teste (ET) foi julgado maior que o estímulo padrão (EP). Por exemplo, observe que o círculo 3 (ET) foi julgado maior que o EP em 25% das 20 tentativas. Já o círculo 5, em pouco mais de 80% das tentativas foi percebido como maior que o EP.

Para entender melhor, pense que o círculo 1 (ET) e o círculo 4 (EP) foram apresentados 20 vezes. Destas 20 vezes, em quantas tentativas o participante respondeu que o 1 era maior que o 4? Provavelmente em poucas ou nenhuma. E das 20 vezes que foi apresentado o 7 (ET) e o 4 (EP)? Em quase todas as tentativas o 7 será julgado maior que o 1. Em valores muito próximos do EP, como os círculos 3 ou 5, haverá uma maior incerteza nas respostas. Estas características podem ser observadas na Figura 2, a qual apresenta a forma típica de uma função psicométrica.

O Método das Escadas (ME) foi desenvolvido na década de 60 por Georg Von Békésy a partir do Método dos Limites. É um método adaptativo, isto é, prevê que a intensidade do próximo estímulo a ser apresentado não é predeterminada. Em outras palavras, a história prévia dos estímulos já expostos e das respostas emitidas determinará a próxima apresentação. Esse cômputo pode ser realizado através de diversas regras e, dependendo da escolhida, apenas um ponto da curva psicométrica será estimado. 

Olhe novamente a Figura 2. Nela temos uma função calculada a partir de 7 pontos, o que é possível no MEC. Já no ME, cada regra nos permite acessar somente um destes pontos. Caso necessitemos calcular algum outro ponto da função psicométrica, devemos usar outra regra. A regra mais simples é a chamada 1up-1down, que permite o cálculo do ponto de 50% da curva. Isso significa que o tamanho do ET será diminuído se na tentativa anterior tiver sido julgado maior;  por outro lado, o ET será aumentado, caso tenha sido percebido como menor.

Vou usar mais uma vez os círculos da Figura 1 e uma tarefa de comparar tamanhos como exemplo. Além disso, a Figura 3 o ajudará a entender melhor como seria uma sequência de apresentação dos estímulos utilizando o ME. Primeiramente foi apresentado o círculo de número 2 (ET) e o de número 4 (EP). O participante respondeu que o teste é menor. Assim, na próxima tentativa foi apresentado o círculo de número 3, isto é, foi aumentado o tamanho do ET. Novamente a resposta foi menor, é o ET foi aumentado mais uma vez. Isso ocorreu até ser apresentado o círculo 5 e o participante inverter a resposta, ou seja, responder maior. Nesse caso, o próximo ET foi diminuído em relação ao anterior. Esses momentos de mudança na direção da resposta (de maior para menor e vice-versa) são chamados de reversões. Em geral, é estipulado um número máximo de reversões como critério para encerrar a sessão experimental. Além disso, os valores dos estímulos nas reversões são utilizados para o cálculo de parâmetros de interesse. 

Figura 3: Sequência de apresentação dos estímulos em um experimento utilizando o Método das Escadas (ME). O primeiro estímulo teste apresentado foi o de número 2. O participante respondeu que ele era menor que o estímulo padrão (círculo 4). Assim, na segunda tentativa o valor do estímulo foi aumentado, sendo apresentado o de número 3. O participante mudou a direção da sua resposta (reversão) na quarta tentativa, quando foi apresentado o círculo 5 e ele respondeu que este era maior do que o padrão. As reversões estão indicadas pelas setas.

Os defensores dos métodos adaptativos argumentam que estes são mais eficientes, porque concentram as tentativas próximas ao parâmetro a ser calculado, evitando tentativas distantes desse, que fornecem pouca informação útil. Outra vantagem associada à anterior é a redução no tempo da sessão experimental.

Por outro lado, o MEC tem muitas vantagens: menor número de erros, menor variabilidade nos parâmetros calculados, simplicidade para implementá-lo, não necessita de hipóteses prévias sobre a forma da curva psicométrica e os resultados podem ser ajustados a várias funções. Além disso, é possível avaliar a inclinação da curva, que fornece informação sobre a sensibilidade do sistema sensorial para realizar determinada tarefa. 

Em nosso laboratório foi realizada uma pesquisa para comparar o MEC e o ME no cálculo de dois parâmetros (PIS e inclinação da curva psicométrica) em uma tarefa de comparação de tamanhos. Este trabalho foi apresentado na Reunião Anual da Sociedade Internacional de Psicofísica (ISP, na sigla em inglês), também chamado Fechner Day, realizado em Pádua na Itália. Os resultados indicaram que para o cálculo do PIS não houve diferença entre os métodos, porém para a inclinação o MEC mostrou-se melhor que o ME.

Mas enfim? Qual é melhor? Não tenho uma só resposta. Por exemplo, se você necessita calcular a inclinação da curva psicométrica, eu sugeriria o uso do MEC. Como pesquisador, gosto muito deste método. Admito que ele é cansativo para o participante, porém produz estimativas muito boas. Para se chegar a um equilíbrio entre a qualidade de seu experimento e o tempo, nada melhor que testar em você mesmo. Você consegue manter sua motivação durante 40, 50 minutos, 1 hora? Quis desistir no meio do seu próprio experimento? Então é melhor repensar. Se você que é o maior interessado não conseguiu, imagine os outros participantes… Permitir que o observador descanse quando quiser ou fazer pausas programadas também pode ser uma solução para reduzir os erros por cansaço.

Por outro lado, se você está interessado somente no PIS ou em outro ponto específico da função psicométrica, o ME pode ser uma boa opção. Na verdade, creio que o melhor método depende dos seus objetivos experimentais, do tempo que você tem para realizar a coleta de dados, a disponibilidade de participantes entre outros pontos. Há muito mais a ser falado e discutido sobre estes métodos psicofísicos, eles foram apresentados aqui de maneira simplificada. Este texto é apenas o primeiro passo, espero que tenha respondido algumas perguntas e suscitado muitas outras.

Referências

Levitt, H. (1971) Transformed up-down methods in psychoacoustics. The Journal of the Acoustical Society of America, 49(2), 467-477. https://doi.org/10.1121/1.1912375

Schiffman, H. R. (2005) Psicofísica. In: H. R. Schiffman, Sensação e Percepção (pp. 17-33). Rio de Janeiro: LTC

Simpson, W. A. (1988) The method of constant stimuli is efficient. Perception & Psychophysics, 44, 433-436. https://doi.org/10.3758/BF03210427

Watson, A. B.; Fitzhugh, A. (1990) The method of constant stimuli is inefficient. Perception & Psychophysics, 47(1), 87-91. http://dx.doi.org/10.3758/bf03208169

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Sobre o autor

Leonardo Gomes Bernardino é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia.

Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 26/05/2011.

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Bernardino, L. G. (2019, 3 de outubro). Psicofísica Clássica IV – O Método dos Estímulos Constantes e o Método das Escadas (Staircase) [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/10/03/psicofisica-classica-iv-o-metodo-dos-estimulos-constantes-e-o-metodo-das-escadas-staircase/   

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