Você já tentou tirar uma foto do seu bichinho de estimação quando o flash estava ligado? Ou então já passou a noite por uma estrada rural com o farol do carro aceso? Se a resposta for sim, provavelmente já percebeu a reação luminosa que ocorre nos olhos de determinados animais quando colocados em contato com algum tipo de luz. Temos a impressão de que suas pupilas estão de alguma forma “brilhando”, o que pode proporcionar fotos bem intrigantes, ou até mesmo assustadoras. Entretanto, adiantamos desde já que seu bichinho não está possuído e nem com algum problema oftalmológico. Para falar a verdade, os seus olhos nem sequer estão brilhando, e sim refletindo a luz recebida do ambiente. Vamos entender como isso funciona?
Em primeiro lugar, vamos revisar o conhecimento sobre algumas estruturas do olho e como ele funciona. O olho de animais como gatos, cachorros e alguns répteis, assim como o olho humano, funciona por meio da recepção de sinais luminosos externos. A luz que passa pela lente do olho (ou cristalino) é controlada por pequenos músculos do corpo ciliar que cercam a entrada do órgão. Esses músculos deixam uma pequena fresta para entrada de luz: a pupila, que contrai caso se esteja em um ambiente mais claro e iluminado, e que dilata, em ambientes com menor luminosidade, permitindo assim uma maior entrada de luz no olho (Figura 1).
Além disso, esses animais possuem uma estrutura extra denominada tapete lúcido (ou Tapetum Lucidum), que se trata de uma camada reflexiva localizada atrás da retina (Figura 2), especialmente comum em espécies que possuem hábitos noturnos e caçadores. Ela foi desenvolvida ao longo do processo evolutivo desses animais para permitir a visão em ambientes de baixíssima luminosidade, facilitando a busca por alimento e aumentando as chances de sobrevivência dessas espécies. O tapete lúcido funciona como um espelho que reflete a luz de volta para a retina, proporcionando uma melhor visibilidade quando a luminosidade está reduzida. Por isso, existe uma falsa ideia de que gatos são capazes de enxergar no escuro, quando na realidade não é bem isso o que acontece: para que o tapete lúcido auxilie a sua visão, é preciso que o ambiente possua ao menos alguns fragmentos de luz que possam ser refletidos por ele. Dentre os animais possuidores dessa estrutura extra, podemos citar cachorros, cavalos, corujas e até gambás, cada qual com sua especificidade. Um estudo da Universidade da Flórida comparou os aspectos anatômicos e de funcionamento do tapete lúcido em diversas espécies e concluiu que a composição e a localização da estrutura podem variar, sendo que diferentes espécies desenvolveram alguns mecanismos um pouco diferentes.
Entretanto, nem tudo são flores! Apesar de o tapete lúcido aumentar a eficiência de uma visão noturna, ele pode prejudicar a visão em ambientes muito iluminados. Por fornecer uma maior disponibilidade de luz, a acuidade visual em ambientes mais iluminados pode ser reduzida, pois a retina acaba sendo sobrecarregada pela quantidade de luz que é direcionada a ela. Para tentar evitar que isso seja muito danoso, alguns animais, como os gatos, possuem pupilas em formato de linhas verticais que se contraem com uma maior eficiência e permitem que apenas uma quantidade muito reduzida de luminosidade passe por elas quando em ambientes com excesso de luz (Figura 3).
Talvez você já tenha reparado que, às vezes, quando tiramos fotos com o flash ligado, nossos olhos também podem se iluminar, mas com uma tonalidade mais avermelhada — especialmente em fotos mais antigas, com câmeras analógicas. Apesar da semelhança do efeito, o brilho nos olhos dos humanos durante uma foto está relacionado a uma causa bem diferente, pois, diferentemente de diversos mamíferos que possuem o tapete lúcido, nossa espécie é desprovida dessa estrutura.
O que acontece no caso dos humanos é que em ambientes mal iluminados as nossas pupilas se tornam mais dilatadas. Com o disparo repentino do flash uma luz entra intensa por elas e o registro da fotografia ocorre antes da adaptação do diâmetro da pupila (algo que acontece em frações de segundos). Então muita luz chega à retina, sendo uma parte dela absorvida, e outra parte refletida. A reflexão da luz atinge a coróide, camada vascularizada do globo ocular. Por ser uma região que conta com diversos vasos sanguíneos, a luz refletida na coróide contém uma tonalidade avermelhada, diferentemente dos animais com o tapete lúcido, cujos olhos refletem, em geral, uma luz amarelada ou esverdeada. Caso você tenha tomado alguns drinks e resolva tirar fotos durante uma festa, é ainda mais provável que esse fenômeno dos “olhos-vermelhos” aconteça, pois a ingestão de bebidas alcoólicas aumenta ainda mais o tempo de reação das pupilas na hora do flash.
Hoje em dia, as câmeras já vêm equipadas com flashes de dois tempos: um primeiro flash para adaptar a pupila à intensidade da luz e outro flash logo em seguida para tirar a fotografia. Programas de edição de imagem possuem funções específicas para remover os “olhos de capiroto”, e os próprios programas das câmeras já possuem algoritmos para ajustes automáticos nessas situações. No Entanto, caso você vá tirar uma foto em um ambiente mal iluminado (ou caso seja um amante de fotografia analógica), os fotógrafos recomendam que os modelos evitem olhar diretamente para a câmera durante o disparo, pois assim o reflexo em direção a lente é barrado, pelo menos parcialmente.
Apesar de, em geral, se tratar de algo comum, o brilho nos olhos de humanos em fotografias com flash pode ser motivo de atenção em alguns casos. Ao identificar reflexo avermelhado em apenas um dos olhos, pode-se supor a possibilidade de estrabismo, condição em que os dois olhos não conseguem se fixar em um objeto ao mesmo tempo. Caso seja notada uma coloração esbranquiçada ou amarelada, é interessante buscar acompanhamento especializado, pois pode ser indício de um quadro clínico mais grave como catarata ou infecção ocular. Em quaisquer outros casos de suspeita de alteração na coloração dos olhos (registrada em fotos ou não), um médico oftalmologista deverá ser consultado.
Mesmo que os humanos não estejam presentes nessa lista de animais equipados com tapete lúcido, a existência desse recurso em outros seres pode ser uma rica fonte de entendimento sobre o processo evolutivo humano e desses animais. Mesmo nos seres humanos, o reflexo avermelhado, apesar de não ser muito charmoso numa foto, não se trata de um problema. Pelo contrário: pode ser um indicativo de saúde ocular. E, da próxima vez que ver a foto do seu bichinho com os “olhos de farol”, não precisa se assustar porque ele não está possuído nem nada do gênero: é só a expressão de uma característica que torna ele apto a não esbarrar em coisas no meio da noite e te acordar!
Para saber mais
Referências
Bear, M. F. (2017). O olho (4ª edição), Neurociências (pp. 293-330). Artmed.
Bradley G. Klein (2014). O sistema visual (5ª edição), Cunningham Tratado de Fisiologia Veterinária (pp. 128-136). Grupo GEN.
Helmenstine, A. M. (2020, 9 de janeiro). Can Cats See in the Dark? Cats have great night vision, but at a cost. ThoughtCo. https://www.thoughtco.com/cat-night-vision-4159281
Ollivier, F. J., Samuelson, D. A., Brooks, D. E., Lewis, P. A., Kallberg, M. E. & Komáromy, A. M. (2004). Comparative morphology of the tapetum lucidum (among selected species). Veterinary Ophthalmology, 7(1), 11-22. https://doi.org/10.1111/j.1463-5224.2004.00318.x
Silva, R. (2021, 13 de abril). Por que os olhos de alguns animais brilham no escuro? Zona Curiosa. https://zonacuriosa.com/por-que-os-olhos-de-alguns-animais-brilham-no-escuro/
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Imagem da capa do post: Um gatinho “possuído” pelo fenômeno dos olhos que brilham no escuro. Fonte: Falando de Pets.
Sobre os Autores
Filipe Mota. Graduando em psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Gosta muito de estudar sobre arte e cultura, além de escrever reviews de filmes. Pratica Yoga nos finais de semana e ama livros de fantasia.
Jade Morais. Graduanda em psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Interessada em Análise do Comportamento. É mãe de duas gatas e nas horas vagas gosta de cozinhar, ler e andar de bicicleta.
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Mota, F., & Morais, J. (2022, 27 de julho). Por que os olhos de alguns animais brilham no escuro?. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/07/27/por-que-os-olhos-de-alguns-animais-brilham-no-escuro/