Se você é um entusiasta daqueles filmes com tendências futuristas, com heróis, detetives e espiões, você já deve ter visto algum personagem utilizando um sistema de segurança por reconhecimento de íris. Diferente de algumas ideias muito futuristas que vemos em filmes (como skates voadores), o reconhecimento de íris é uma tecnologia já utilizada por meros mortais como nós e que está sendo cada vez mais aperfeiçoada devido ao seu alto nível de segurança e exatidão. Neste texto vamos entender melhor o que é a íris, porque ela é utilizada nesse sistema, e como é esse reconhecimento biométrico digno de Hollywood.
Vamos começar pela íris e pela sua localização no globo ocular! A íris é o colorido do olho, constituído por um fino tecido muscular que possui uma abertura circular ajustável no centro, a pupila, que tem como função o controle da entrada de luz nos olhos. À frente da íris e protegendo-a do ambiente externo está posicionada a córnea, uma membrana transparente que também é responsável pela refração do estímulo luminoso.
Cada íris possui uma forma única definida aleatoriamente no período pré-natal, de modo que até mesmo a íris dos olhos direito e esquerdo de um mesmo indivíduo diferem entre si. Isso evidencia uma grande vantagem matemática do reconhecimento de íris: a variabilidade de padrões dessa estrutura entre os indivíduos é enorme (Figura 2). Além disso, a íris não é se modifica ao longo do tempo.
É possível falar da alteração do padrão complexo da íris apenas em casos de danos sérios, como traumas, doenças e acidentes, o que afetaria o reconhecimento. A exemplo das doenças que podem alterar a estrutura física da íris e, consequentemente, alterar o reconhecimento dessa, existem o melanoma, a aniridia e a catarata. Em 2003, Roberto Roizenblatt e colaboradores analisaram a influência da cirurgia de catarata no reconhecimento dos padrões de íris. Para isso, 55 olhos de 55 pacientes que foram submetidos a cirurgia de catarata foram selecionados e tiveram suas írises analisadas antes do procedimento. Foi realizado o cadastro das írises dos participantes antes da cirurgia no intuito de compará-las posteriormente. Cerca de trinta dias após a cirurgia, os mesmos pacientes foram examinados novamente. Os pacientes apresentaram diversos graus de diferenças de textura na camada superficial da íris após o procedimento. Ao todo, 49 olhos continuaram sendo reconhecidos de acordo com os cadastros antes da cirurgia. Os seis olhos restantes não foram reconhecidos, de modo a perder o cadastramento inicial (caso exemplificado na Figura 3), mas o recadastramento da mesma íris foi realizado com sucesso.
Porém o que é o reconhecimento da íris propriamente dito? O reconhecimento de íris é uma técnica de biometria que, como muitas outras (impressão digital, reconhecimento de face, de voz, de assinatura), tem por objetivo identificar e diferenciar os seres humanos por meio de traços e características pessoais únicas, garantindo, assim, autenticidade na identificação. Desse modo, as tecnologias biométricas de reconhecimento de íris utilizam essa característica individual altamente discriminatória como um identificador digital que, ao ser interpretado por um programa de computador, é capaz de confirmar a identidade das pessoas.
E como funcionam na prática os sistemas biométricos de reconhecimento da íris? Para responder essa pergunta, é preciso dividir esse processo em quatro partes: (1) a aquisição da imagem da íris, (2) a segmentação da íris, (3) a análise e representação da textura da íris e, por fim, (4) a comparação das representações da íris.
A etapa de aquisição da imagem da íris não é nada mais nada menos do que tirar uma fotografia de qualidade da íris (Figura 4). Porém, apesar de parecer simples, é um grande desafio capturar uma imagem de alta qualidade do olho sem ser invasivo ou agressivo. Além disso, a íris humana é bastante pequena (geralmente com 1cm de diâmetro) e é tipicamente escura, dificultando ainda mais a captura de contraste nas imagens. Para adquirir as imagens são utilizadas câmeras digitais responsáveis por capturar e analisar a qualidade das imagens da íris.
Ademais, o ponto principal dessa etapa reside em captar primordialmente os padrões de textura da íris, uma vez que são mais discriminantes que outros aspectos, como a cor. Assim, as câmeras utilizadas captam o espectro infravermelho, pois permite a captura de detalhes da textura e as imagens resultantes são representadas em tons de cinza, sem diferenciações complexas de cores (Figura 5).
Dando continuidade, sobre a segmentação da íris, se trata apenas de localizar a região que a íris ocupa na imagem capturada. Sobre isso, não se pode esperar que a captura contenha somente a imagem de uma íris completa e perfeita. A captura provavelmente conterá a íris, mas em conjunto com muitos outros elementos, que poderão inclusive atrapalhar a sua localização. Além de comumente haver reflexos e sombras nas imagens ou de pálpebras e cílios frequentemente ocluírem partes da íris, as fronteiras circulares (da íris, esclerótica e pupila) não são sempre concêntricas, causando ainda maiores distorções da região a ser localizada (Figura 6).
Para o estudioso Carlos Alberto Bastos, em sua dissertação de mestrado publicada em 2010, a segmentação é a etapa mais importante do reconhecimento biométrico, pois dados que revelem uma segmentação falsa da íris corrompem todas as outras etapas causando péssimos índices de reconhecimento. Por isso, são necessários algoritmos extremamente refinados e testados para que essa etapa seja eficiente.
A terceira etapa de análise e representação da textura da íris pode ser dividida em duas subetapas: a normalização e a codificação. A normalização é responsável por transformar a área da íris captada para permitir a extração de informações relevantes e a realização de comparações de dados. Isso é necessário visto que nem todas as imagens de uma íris possuem as mesmas dimensões. A distância do olho da câmera, as diferenças na iluminação que modificam as contrações da pupila, a inclinação da cabeça, a movimentação dos olhos, e a rotação da câmera são fatores que alteram as dimensões da íris. Portanto, as técnicas de normalização são responsáveis por minimizar esses problemas e estabilizar a localização espacial da íris, mesmo quando capturada em diferentes condições.
Já a codificação é a subetapa em que a íris é processada para que seu modelo biométrico seja criado. Esse modelo não é nada menos que uma representação matemática da íris, por meio de vetores numéricos ou cadeias de bits, por exemplo. Nesse sentido, a extração desse modelo deve priorizar a codificação de algumas características da textura da íris em detrimento de outras com o intuito de selecionar apenas as características mais discriminantes para que o reconhecimento seja ainda mais preciso.
Por fim, após a íris ser capturada, segmentada, normalizada e codificada falta apenas uma etapa: a de comparação das representações. É nessa etapa que o reconhecimento de íris acontece. Dessa forma, as representações de íris são comparadas e trazem dois resultados possíveis: se possuem um alto grau de similaridade, constituindo duas írises iguais (intraclasse); ou se possuem um baixo grau de similaridade, constituindo duas írises diferentes (interclasse).
Portanto, é por meio desse processo que se torna possível codificar a íris de uma pessoa e diferenciá-la de qualquer outra íris humana no planeta, sendo extremamente útil na identificação de pessoas. Além disso, a aplicabilidade dessa tecnologia é ampla e com uso potencial em todos os países em fronteiras, aeroportos, portos etc. Esse reconhecimento também é aplicado no controle de entradas em áreas restritas, no acesso a bancos de dados e até mesmo como forma de ligar carros.
Então, fica evidente como o sistema biométrico de reconhecimento de íris não é só o sistema de segurança queridinho dos filmes futuristas e dos personagens icônicos, mas também é um avanço significativo na tecnologia de identificação pessoal configurando uma forma rápida, eficaz e de larga aplicabilidade em biometria.
Referências
Bastos, C. A. C. M. (2010). Segmentação e Reconhecimento de Íris. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Pernambuco. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/2215
Daugman, J. G. (2004). How iris recognition works. In A. Bovik (Org.) The Essential Guide to Image Processing (715-739). Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-374457-9.00025-1
Pamplona, V.F. (2007). Estudo sobre a íris para síntese de imagens fotorealísticas. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Roizenblatt, R., Schor, P., Dante, F., Roizenblatt, J. & Belfort, R. (2004). Iris recognition as a biometric method after cataract surgery. BioMedical Engineering OnLine. https://doi.org/10.1186/1475-925X-3-2
Wildes, R. P. (1997). Iris recognition: An emerging biometric technology. Proceedings of the IEEE, 85(9), 1348-1363. 1348-1363. https://doi.org/10.1109/5.628669
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Sobre os autores
Ana Lúcia Dias. Graduanda em Psicologia pela UnB. Interessada em Psicologia da Saúde, do Desenvolvimento e Social. Ama sair com os amigos para programações bem brasilienses e está sempre pensando em viajar.
Leandro Manaut. Graduando em Psicologia pela UnB. Interessado na capacidade da Psicologia de ajudar as pessoas. Amante de videogames nas horas vagas e de tomar drinks com os amigos. Interessado em viajar, conhecer novas culturas e pessoas.
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Dias, A. L., & Manaut, L. (2022, 27 de julho). Como funcionam os sistemas biométricos de reconhecimento pela íris? Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/07/27/como-funcionam-os-sistemas-biometricos-de-reconhecimento-pela-iris/