Vinho mais caro é mais gostoso? Expectativa do produto como modulador da percepção de sabor

Ao buscar informações sobre um produto é comum que as pessoas sejam guiadas pelo preço. Esperamos que o valor indicado na etiqueta seja condizente com a qualidade do produto escolhido, então não surpreende que o preço tenha se tornado uma importante ferramenta de marketing. Essa relação é muito clara em produtos alimentares, como os vinhos, que ficam conhecidos pelo rótulo de “quanto mais caro, melhor” (Figura 1). Mas será que a expectativa em relação ao preço afeta a percepção de sabor?

Essa dúvida levou os neurocientistas Hilke Plassmann, John O’Doherty, Baba Shiv e Antonio Rangel, do Instituto de Tecnologia da Califórnia e da Universidade de Stanford, a estudarem como as ações de marketing podem modular as representações neurais. Eles selecionaram 3 vinhos sem nenhuma identificação para os participantes degustarem e colocaram diferentes etiquetas de preço em cada um deles. A pesquisa foi conduzida da seguinte maneira: o vinho 1 era apresentado aos participantes ora com a etiqueta de 5 dólares, ora com a etiqueta de 45 dólares; o vinho 2 era apresentado com uma diferença de preço mais discrepante, 10 dólares ou 90 dólares; já o vinho 3 era apresentado apenas com a etiqueta de $35 dólares. No experimento, os participantes degustavam e viam as etiquetas de preço enquanto estavam em um scanner de ressonância magnética para que fosse observada a atividade neural. Depois desse procedimento, era pedido aos participantes que avaliassem as bebidas. 

Figura 1. Vinhos em uma adega e seus preços correspondentes. Fonte: Unsplash

Os resultados mostraram dados muito relevantes na compreensão das bases neurais da relação entre expectativa e percepção. O córtex orbitofrontal medial (Figura 2), importante área do cérebro associada ao prazer sentido pelos sabores, era mais ativado quando os participantes recebiam o vinho mais caro, sendo essa ativação ainda maior quando havia uma grande diferença de preço entre o vinho barato e o caro. Aliás, lembra do vinho de 10 dólares e de 90 dólares? O resultado comportamental da avaliação subjetiva dos participantes em relação à preferência do vinho indicou uma preferência significativa pelo vinho 90 dólares, apesar do vinho de 10 dólares se tratar do mesmo produto. Ou seja, dados de neuroimagem e comportamentais foram convergentes e evidenciaram que, quanto maior a atividade do córtex orbitofrontal medial, maior o prazer associado ao sabor, mesmo que as propriedades sensoriais das bebidas fossem as mesmas.

Figura 2. Córtex orbitofrontal: área associada ao prazer dos sabores. Fonte: Wikimedia.

Um outro estudo, realizado por Robin Goldstein e colaboradores, que investigou como os participantes em testes cegos de degustação avaliavam vinhos corrobora este resultado. Evidenciou-se que o prazer ao consumir vinho depende tanto de fatores intrínsecos (ex: sabor e cheiro), quanto de fatores extrínsecos (ex: apresentação e preço). Fatores intrínsecos influenciam a experiência subjetiva através de um processo bottom-up  (do processamento do input sensorial para a cognição), enquanto os fatores extrínsecos atuam por meio de um processo top-down (a cognição influenciando o processamento sensorial). Essas informações combinadas formam o produto perceptual (o próprio sabor e prazer associado ao vinho), e a tomada de decisão (de qual vinho é melhor).

Figura 3. Os vários tipos de vinho. Fonte: Unsplash.

Um outro dado muito interessante desse estudo é que, ao menos que a pessoa seja um expert em vinhos (ou seja, tenha passado por algum tipo de treinamento como sommelier ou coisa parecida), os indivíduos não possuem apreciação maior a vinhos mais caros quando não estão cientes do preço para guiar esse processo — pelo contrário: chegam até a gostar menos desses vinhos! Isso indica um forte fator externo, para além da percepção de sabor, na hora de se escolher e apreciar um vinho, como o preço, ou recomendações de especialistas. Esses fatores, no entanto, podem ser guias fracos para pessoas não-especialistas em vinho que se importam de fato com qualidades intrínsecas do produto: as informações externas atuam de maneira mais consistente quando consumidores estão menos confiantes nas suas próprias percepções de qualidade. 

Um terceiro experimento conduzido pelas economistas suecas Johan Almenberg e Anna Dreber também alcançou resultados relevantes sobre a relação de preço e qualidade, dessa vez, por meio da expectativa. Como já foi apontado, pelo preço ser uma ferramenta comum para indicar quão bom determinado produto realmente é, a maioria dos consumidores costumam esperar uma relação entre o preço do produto e sua qualidade. Ao usarem essa relação preço-qualidade como guia, a verdadeira experiência do produto foi influenciada pela expectativa do valor. 

Figura 4. A garrafa de vinho é um forte indicador da porcedência do vinho, e pode influenciar a experiência perceptual. Fonte: Unsplash.

Quando experienciamos algo, buscamos fatores para nos guiar para a melhor escolha. Por termos a crença de que produtos mais caros possuirão maior qualidade, essa expectativa nos influencia na tomada de decisão. Fatores individuais, como gosto pessoal, também são variáveis relevantes para a avaliar qual vinho é melhor para o indivíduo, mas que entram em conflito quando confrontadas por fatores extrínsecos como o preço. Portanto, fica evidente que ao esperarmos que um vinho mais caro será mais gostoso, essa expectativa afeta nossa percepção sobre o sabor do produto. Seja por expectativa, fatores intrínsecos ou extrínsecos, no fim, só vale a pena pagar um valor em um vinho que você aprecie de verdade. Deixamos a recomendação: confie um pouco mais na sua capacidade individual de apreciar aquele vinho que é prazeroso ao seu paladar, antes de procurar uma review no YouTube!

Referências

Almenberg, J., & Dreber, A. (2011). When does the price affect the taste? Results from a wine experiment. Journal of Wine Economics, 6(1), 111-121. https://doi.org/10.1017/S1931436100001085

Goldstein, R.,  Almenberg, J., Dreber, A.,  Emerson, J. W., Herschkowitsch, A.  & Katz, J.. (2008). Do more expensive wines taste better? Evidence from a large sample of blind tastings. Journal of Wine Economics. https://doi.org/10.1017/S1931436100000523

Plassmann, H., O’Doherty, J., Shiv, B. & Rangel, A. (2008). Marketing actions can modulate neural representations of experienced pleasantness. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(3), 1050–1054. https://doi.org/10.1073/pnas.0706929105

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Imagem da capa do post: Muitos fatores estão envolvidos na degustação de um bom vinho. Fonte: Unsplash.


Sobre os Autores

André Guilherme Petruceli Paes. Graduando em Psicologia pela Universidade de Brasília; gosta muito da área de Psicologia Evolucionista. Aficionado em cozinha e conhecedor de fatos aleatórios.

Ingrid Soti. Graduanda em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) e interessada em Psicologia do Trabalho. Nas horas vagas gosta de ler, e pensa muito em músicas e nos seus artistas favoritos.

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Paes, A. G. P. & Soti, I. (2022, 24 de junho). Vinho mais caro é mais gostoso? Expectativa do produto como modulador da percepção de sabor. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/06/15/vinho-mais-caro-e-mais-gostoso-expectativa-do-produto-como-modulador-da-percepcao-de-sabor/

2 comentários em “Vinho mais caro é mais gostoso? Expectativa do produto como modulador da percepção de sabor

  1. Rosimeri Mello Responder

    É nesse sentido que o marketing atua para direcionar nosso consumo. Bom trabalho, sutil e profundo, parabéns

    • Estagiário Autor do postResponder

      O marketing sabe como explorar nossos sentidos, não é? Obrigada pelo comentário e pela leitura!

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