Nosso comportamento pode ser influenciado por mensagens subliminares?

É domingo à tarde, e por conta da escassa programação da TV nesse dia, você está assistindo ao Silvio Santos. De repente, no meio da fala de algum convidado, aparece um slogan da Jequiti (marca de cosméticos) por cerca de 2 segundos, e logo após este desaparece. É muito sensato após esse acontecimento você se questionar “O que acabou de ocorrer?”. O propósito dessa propaganda é tentar persuadir o telespectador subliminarmente a comprar os seus produtos. Mas afinal, há algum embasamento científico para acreditarmos que mensagens subliminares podem influenciar comportamentos tão complexos como a nossa decisão de compra? E mais, o exemplo mencionado apresenta uma mensagem subliminar de fato?

Primeiramente, o que são mensagens subliminares? Existem algumas situações nas quais a intensidade ou tempo de duração de um estímulo são tão fracos e rápidos que não somos capazes de percebê-los. Estímulo, por definição, consiste no(s) elemento(s) do ambiente físico responsável(is) por provocar uma resposta no organismo, podendo ser representado por algo que afete, pelo menos, um dos sentidos humanos (como imagens e sons, por exemplo). Estimulações subliminares estão abaixo do nosso limiar absoluto para percepção, ou seja, os estímulos não possuem a intensidade mínima necessária para que possam ser detectados pelo organismo humano. Por definição, os estímulos subliminares são aqueles cujas intensidades são tão fracas que foram detectados menos de 50% das vezes em que foram apresentados aos indivíduos em uma tarefa de escolha forçada do tipo “percebo vs. não percebo” (Figura 1).

Figura 1. Ilustração de detecção (eixo y, em porcentagem) de um estímulo apresentado em diferentes intensidades (eixo x). A intensidade do estímulo que equivale a uma porcentagem de 50% de detecção é tomada como o limiar absoluto. Fonte: Adaptado de Goldstein (2014).

A principal questão que paira sobre esse assunto é: será que estímulos dos quais não temos consciência, ou seja, que não percebemos conscientemente, são capazes de exercer certo grau de influência sobre nosso comportamento? Como você já deve ter observado nesse momento, a propaganda exibida pela Jequiti não está abaixo do nosso limiar de percepção, caso o contrário, não teríamos notado a imagem.

As mensagens subliminares ficaram popularmente conhecidas após o controverso experimento realizado por James Vicary, em 1957. Na exibição de um filme em um cinema, foram inseridas imagens como a da Figura 2 com a frase “coma pipoca” e imagens com a frase “beba coca-cola”, durante aproximadamente 33 milissegundos (1 milissegundo equivale a 1/1000 segundo). Como as imagens se sobrepõem de maneira muito rápida, não é possível perceber conscientemente o estímulo. Contudo, o cérebro ainda é capaz de processar parte dessa informação. James afirmou com esse “estudo” que as vendas de pipoca aumentaram cerca de 57,7% e as de refrigerante cerca de 18,1%, durante as exibições do filme. Então, com base nesses “achados”, é possível implementar “mensagens subliminares” para aumentar as vendas de um produto ou para estudar ou trabalhar com maior eficiência, como vendem alguns sites? As pesquisas realizadas até agora mostram que não.

Figura 2. Umas das Imagens exibidas na cena do filme do estudo de James Vicary. Fonte da imagem: Business Insider.

James Vicary era publicitário e empresário. Posteriormente à divulgação do estudo, ele declarou que os dados eram falsos, e fez isso pois estava à beira da falência e essa seria uma forma de promover seu empreendimento de marketing. Não é difícil deduzir que seus interesses eram bem diferentes dos interesses de um pesquisador. Também não é de se espantar que sua retratação não tenha tido tanto alcance quanto seus supostos resultados. Assim, esse evento acabou contribuindo para a popularização desse tema, que apesar de não ser um mito, está longe de ser o que se construiu sobre o termo “mensagens subliminares”.

Posteriormente ao “estudo” de Vicary, a partir dos anos 1960, foram realizados mais experimentos na área de percepção subliminar com maior rigor científico, tendo o objetivo investigar se esses estímulos realmente podem causar efeitos significativos sobre o nosso comportamento. Muitas das pesquisas baseavam-se na mensuração do tempo que os indivíduos levavam para reagir a um estímulo-alvo (que poderia ser uma imagem ou uma palavra) com e sem a apresentação prévia de um estímulo subliminar que possuía um conteúdo relacionado ao do alvo (o que pode ser entendido dentro daquilo que é chamado de priming). O priming é um estímulo que pré-ativa determinados processos mentais e comportamentos. Os resultados dessas pesquisas, em sua maioria, mostraram que há um processamento cerebral, inconsciente e automático, dos estímulos que são apresentados de uma maneira subliminar e que eles podem produzir efeito sobre a velocidade que respondemos ao estímulo alvo. No entanto, esse efeito, no geral, se mostrou efêmero e frágil. Ainda, a probabilidade do priming afetar as ações ou intenções de alguém provavelmente acontece caso isso seja relevante ao contexto do indivíduo.

Por exemplo, em um estudo de 2006 realizado na Holanda por Karremans, Wolfgang e Claus com condições semelhantes às presentes no “experimento” de Vicary, os resultados demonstraram que quando expostos ao primingLipton Ice” (uma marca de bebida) por 23 milissegundos, a probabilidade de escolha dos participantes à marca em detrimento a outras bebidas era maior, mas somente se estes já estavam com sede. Dessa maneira, embora o estudo sugira que estímulos subliminares podem exercer algum tipo de influência sobre nosso comportamento, o efeito era muito limitado e desaparecia facilmente.

Também é interessante notar que a maioria das pesquisas sobre o assunto foram realizadas em ambientes controlados de laboratórios, que não apresentam muitas semelhanças com os meios onde há maiores chances de sermos influenciados subliminarmente (como por exemplo, televisão e internet). Por conseguinte, há poucas pesquisas que se propõem a estudar o efeito de estímulos subliminares sobre comportamentos de tomada de decisão mais complexo em ambientes mais naturalistas.

Além disso, existem críticas e controvérsias que permeiam algumas pesquisas da psicologia acerca da chamada ‘crise de replicabilidade’. Esta ocorre devido a uma dificuldade de replicação dos resultados, ou até mesmo na falta de tentativas para fazê-lo. Isso gera um enviesamento na comprovação de hipóteses experimentais, já que uma hipótese só é de fato comprovada, e só adquire força, a partir da sua confirmação por uma gama de estudos válidos, realizados por diferentes equipes de pesquisa. Nas pesquisas sobre priming e estímulos subliminares, por exemplo, esse fenômeno ocorre e impacta diretamente na seriedade das investigações sobre o tema. Stéphane Doyen e Olivier Klein, em 2012, explicaram que houve uma série de falhas na replicação de experimentos de alto nível sobre priming, além de fraudes em publicações e do chamado “efeito gaveta”, que consiste no descarte de estudos que não suportam as hipóteses desejadas. Por isso, as comprovações científicas a respeito do grau de influência das mensagens subliminares no comportamento humano ainda são insuficientes, tanto pela crise de replicabilidade, quanto pelos aspectos discutidos anteriormente.

Portanto, quando estiver sentado(a) em seu sofá no domingo à tarde, ou no cinema, aproveitando para descontrair com os amigos, não se preocupe com os efeitos persuasivos das mensagens subliminares. Muito provavelmente, esses efeitos serão efêmeros e não terão grande influência em sua tomada de decisão, ainda que possam estar presentes na televisão, em propagandas e em outras mídias sociais. No entanto, devemos nos preocupar com outras formas de manipulação e persuasão atuais, como aquelas criadas pelos algoritmos das redes sociais. Mas isso já é assunto para outro texto.

Referências

Doyen, S., Klein, O., Pichon, C.-L., & Cleeremans, A. (2012). Behavioral priming: It’s all in the mind, but whose mind? PLoS ONE, 7, e29081. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0029081

Goldstein, E. B. (2014). Sensation and Perception (9a ed). Belmond, CA: Wadsworth. Cengage Learning.

Karremans, J.C, Wolfgang, S., & Claus, J. (2006). Beyond Vicary’s fantasies: The impact of subliminal priming and brand choice. Journal of Experimental Social Psychology, 42(6), 792-798. https://doi.org/10.1016/j.jesp.2005.12.002

Schiffman, H. R. (2005) Psicofísica. In: H. R. Schiffman, Sensação e Percepção. Rio de Janeiro: LTC.

Schutz, R. & Jesus, S. N. (2005). Percepção subliminar: Longe dos olhos, perto do coração. Revista dos Algarves, 13, 3-7. Recuperado de: http://www.dosalgarves.com/revistas/N13/Completo13.pdf#page=4

Weinberger, J. & Westen, D. (2008). RATS, We should have used Clinton: Subliminal priming in political campaigns. Political Psychology, 29(5), 631-651. https://doi.org/10.1111/j.1467-9221.2008.00658.x

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Sobre as autoras

Ana Beatriz Costa. Graduanda em Psicologia na UnB. Pseudo cinéfila, revoltada com o final de Game of Thrones e, ao contrário das outras duas autoras, não gosta de chocolate. Apesar de não ter cor, música, filme, artista etc. preferidos, sabe que ama a Psicologia.

Maria Eduarda Sobral. Estudante de graduação de Psicologia na UnB. Viciada em chocolate e na série Friends.

Lorrainy Braz de Siqueira. Graduada em Letras-inglês e estudante de Letras-PBSL na UnB. Mãe de três gatinhos, amante de vinhos, seriados e chocolates. Traumatizada para sempre por nunca ter ido a um show de RBD.

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Costa, A. B., Sobral, M. A., & de Siqueira, L. B. (2020, 25 de novembro). Nosso comportamento pode ser influenciado por mensagens subliminares? [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/11/25/nosso-comportamento-pode-ser-influenciado-por-mensagens-subliminares/

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