Será que o tato é capaz de influenciar como percebemos os alimentos? Não? Sim? Se não, então por que apalpamos as frutas quando vamos comprá-las? Por que aquela batata frita tem que estar crocante para ser tão gostosa? Se ela não estiver crocante o sabor mudará?
É para testar estas questões que a indústria alimentícia gasta alguns bilhões para desenvolver produtos com características bem específicas.
O pesquisador Michael Barnett-Cowan, do Instituto Max Planck na Alemanha, testou se é possível mudar como um alimento é percebido na boca apenas alterando a sua consistência ao toque das mãos. Parece complicado, não? Mas foi um procedimento bem simples.
A primeira coisa que o pesquisador fez foi comprar pacotinhos de pretzels (foto abaixo). Alguns pretzels ele colocou em água para alterar suas características e os deixou secar em condições ambiente. Os outros ele deixou como estavam no pacote.
Todos os pretzels imersos em água foram secos com papel toalha e depois deixados para secar nas condições ambiente por 30 minutos. Após este tempo eles estavam mais macios, porém intactos e secos. A tarefa era muito simples. O participante ficava de olhos vendados e segurava um pretzel entre o indicador e o polegar da mão dominante (aquela que você mais usa). Depois ele dava apenas uma mordida com os dentes da frente em outro pretzel e despois cuspia o pedaço.
Havia duas condições para a tarefa: congruente ou incongruente. Na condição congruente o participante segurava e mordia pretzels não-tratados (não imersos em água), ou tratados (imersos em água). Na condição incongruente o participante segurava um pretzel tratado e mordia um não-tratado, e vice versa.
Os participantes avaliaram verbalmente quão fresco e crocante era o pretzel mordido, dentro de uma escala de pontos. Os resultados foram muito interessantes: 1) quando o participante mordeu e segurou um pretzel não-tratado (não imerso em água) ele o julgou muito fresco e crocante; 2) mas quando mordeu e segurou um pretzel tratado (imerso em água) o participante o julgou muito pouco fresco e crocante.
Por outro lado, os resultados ficaram mais interessantes quando foram misturados pretzels tratados e não-tratados: 3) quando o participante mordeu um pretzel não-tratado e segurou um tratado, ele o julgou menos fresco e crocante que na condição 1 (em que também mordeu um não-tratado); 4) quando ele mordeu um pretzel tratado mas segurou um não-tratado, ele o julgou mais fresco e crocante do que os pretzels da condição 2! Isso é mais intrigante porque nas duas condições ele mordeu um pretzel tratado, a única coisa que mudou foi o pretzel segurado na mão.
Os resultados de 3 e 4 indicam que o tato modula como o alimento é percebido na boca! Bastou trocar o tipo de informação recebida na mão para o participante dizer que um pretzel, antes julgado como pouco fresco e crocante (2), passasse a ser considerado mais crocante e fresco (4).
Apalpar os alimentos nos permite constatar a consistência, a textura e verificar se eles estão bons para o consumo. Evolutivamente isto teve uma importância fundamental para sobrevivência de nossa espécie, pois permitiu que não comessemos alimentos estragados que poderiam nos matar.
Hoje existe uma quantidade enorme de produtos industrializados e nossa escolha é feita com base na embalagem e no preço do produto. O parâmetro que temos para saber sobre a qualidade dele é a data de validade. Apesar de não podermos tocar o que iremos comprar, a indústria ainda gasta muito dinheiro desenvolvendo novos produtos que agradem não apenas ao paladar, mas aos outros sentidos também.
Na próxima vez que for a uma lanchonete, preste atenção na batata-frita, se ela estiver crocante ficará mais gostosa? E se ela estiver murcha, você acha que ela terá o mesmo sabor?
Referências
Barnett-Cowan, M. An illusion you can sink your teeth into: Haptic cues modulate the perceived freshness and crispness of pretzels. Perception, 39(12), 684-1686, 2010. https://doi.org/10.1068/p6784
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Fonte da imagem da capa do post: sonomamarket.net.
Sobre o autor
Bruno Marinho de Sousa é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e trabalha com psicologia clínica e divulgação científica.
Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 16/08/2011.
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Sousa, B. M. (2020, 13 de maio). O tato pode enganar o paladar [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/12/02/sexto-sentido-alem-dos-sentidos-basicos/