É provável que você já tenha notado os benefícios ocasionados por uma boa noite de sono e também como uma noite mal dormida pode ser prejudicial no seu desempenho no trabalho, nos estudos ou nas tarefas cotidianas.
O sono é uma função vital para os seres humanos e muitas investigações tem se dedicado sobre aspectos que o relacionam à atenção e memória. Mas, talvez você esteja se perguntando o que o sono tem a ver com a visão. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte indicaram algumas pesquisas em que a privação de sono pode afetar o processamento visual, ocasionando a formação de imagens irreais na retina, visões turvas e duplas, diminuição da acuidade e detecção visual, alteração de velocidade dos movimentos dos olhos e no diâmetro da pupila [1]. Ou seja, pesquisas indicam prejuízos na percepção visual e visuoespacial após privação do sono. Aliás, a perda de sono é tão popular sobre o funcionamento humano que parece difícil encontrar funções que permaneçam intactas.
O estudo dos movimentos oculares, por exemplo, tem contribuído para a compreensão de vários processos cognitivos nos últimos anos [2]. Pesquisadores franceses, interessados nos efeitos de privação total do sono e sua relação com aspectos da visão, utilizaram os movimentos oculares sacádicos na avaliação da atenção visuoespacial, que é uma tarefa cognitiva envolvida no processamento visual [3]. As sacadas, ou movimentos sacádicos, são aqueles realizados pelos olhos quando lemos, procuramos por um objeto ou olhamos uma cena. Entre um movimento sacádico e outro, os olhos obtém as informações do ambiente por meio das fixações. O resultado do estudo indica que tanto a atenção quanto o estado de alerta podem ser avaliados pelos movimentos sacádicos, e que a privação no tempo de sono produz um efeito chamado de “desengajamento da atenção”, ou seja, um “desligamento” da atenção, que traria implicações perigosas em situações do cotidiano, como dirigir um carro.
Assim como os movimentos oculares, o estudo da pupila tem sido realizado na fisiologia desde o século XVIII e, na medicina, por um período muito anterior. Com o avanço da tecnologia, novos métodos para avaliação do sono têm sido introduzidos em pesquisas médicas. Um deles é a pupilometria, investigação controlada que consiste no registro preciso e detalhado dos movimentos pupilares dos dois olhos [4]. Um estudo clínico realizado pela Mayo Clinic, nos Estados Unidos, comparou o tamanho da pupila entre pacientes com distúrbios do sono e participantes com sono regular. O método ainda não é capaz de substituir totalmente os testes habituais, mas os resultados da pesquisa indicam que o comportamento da pupila, além de estar associado ao estado de alerta e cansaço de um indivíduo, também se relaciona à sonolência excessiva. Ou seja, o tamanho da pupila nos pacientes mais sonolentos não coincidiu com o dos voluntários bem descansados [5].
Vale observar ainda que existem divergências nos estudos que relacionam irregularidades visuais e privação de sono. Uma pesquisa do Departamento de Biologia Comportamental, do Instituto de Pesquisa Walter Reed Army, nos Estados Unidos, adverte que ainda é cedo para afirmar que a privação de sono afeta a percepção. Após testar o desempenho visuoespacial de 54 voluntários saudáveis, os resultados obtidos sugerem que a capacidade visuoespacial de percepção de linhas na horizontal e na vertical geralmente é resistente após uma privação curta do sono. Dados que corroboram com outros estudos, que indicam que algumas habilidades cognitivas complexas muitas vezes não são sensíveis à privação do sono, particularmente em tarefas de curta duração e suficientemente motivadoras [6].
Embora ainda não exista um consenso sobre como os prejuízos visuais e visuoespaciais se manifestam, melhor desfrutar de uma boa noite de sono, a fim de manter a integridade das atividades diárias e evitar acidentes que as falhas na percepção visual eventualmente podem ocasionar, como redução da capacidade de processar sinais periféricos durante a condução de um veículo [7].
Referências
[1] Soares, C. S., & Almondes, K. M. (2012). Sono e cognição: Implicações da privação do sono para a percepção visual e visuoespacial. PSICO, 43(1), 85-92. [PDF]
[2] Rayner, K. (1998). Eye movements in reading and information processing: 20 years of research. Psychological Bulletin, 124(3), 337-422. https://doi.org/10.1037/0033-2909.124.3.372
[3] Bocca, M. L., & Denise, P. (2006). Total sleep deprivation effect on disengagement of spatial attention as assessed by saccadic eye movements. Clinical Neurophysiology, 117(4), 894-899. https://doi.org/10.1016/j.clinph.2006.01.003
[4] Lowenstein, O., & Loewenfeld, I. E. (1958). Electronic pupillography. A new instrument and some clinical applications. Arch Ophthalmol, 59(3), 352–363. Doi: https://doi.org/10.1001/archopht.1958.00940040058007
[5] McLaren, J. W., Hauri, P. J., Lin, S. C., & Harris, C. D. (2002). Pupillometry in clinical sleepy patients. Sleep Medicine, 3(4), 347-352. https://doi.org/10.1016/S1389-9457(02)00017-5
[6] Killgore, W. D., Kendall, A. P., Richards, J. M., & McBride, S. A. (2007). Lack of degradation in visuospatial perception of line orientation after one night of sleep loss. Perceptual and Motor Skills, 105(1), 276-286. https://doi.org/10.2466/pms.105.1.276-286
[7] Rogé, J., Pébayle, T., El Hannachi, S., & Muzet, A. (2003). Effect of sleep deprivation and driving duration on the useful visual field in younger and older subjects during simulator driving. Vision Research, 43(13), 1465-1472. https://doi.org/10.1016/S0042-6989(03)00143-3
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Fonte da imagem da capa do post: glenmorevisioncenter.com.
Sobre a autora
Samara M.B. Korb é professora de Arte da Secretaria de Educação do Distrito Federal e mestranda em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília. Adora mapas, viagens, natação e coisas de cozinha. Tem sempre um livro na bolsa e muitas listas de organização. A maternidade será sua próxima viagem.
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Korb, S. M. B. (2020, 11 de abril). Dormir bem para ver melhor [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/04/11/dormir-bem-para-ver-melhor/