Minha vó usa o mesmo perfume há muitos anos. Hoje eu estava no quarto dela enquanto ela se arrumava e ao sentir esse cheiro, lembrei de vários passeios que fizemos juntas quando eu ainda era criança. Você também recorda momentos da vida quando sente certos cheiros?
Esse fenômeno é conhecido como Efeito Proust, em referência ao escritor francês Marcel Proust, que escreveu sobre como o cheiro de madalenas molhadas no chá o lembravam detalhadamente da casa de sua tia. Isso ocorre porque o bulbo olfativo possui ligação neural direta com o sistema límbico, parte do cérebro responsável pelas emoções, entre outras funções.
A associação de momentos e odores ocorre, na maioria das vezes, inconscientemente e, além disso, o cheiro não precisa ser de forte intensidade. Os estudos também mostram que os aromas são mais capazes de evocar experiências emocionais vívidas, com muitos detalhes, em comparação a outras pistas sensoriais, como fotografias, gosto de uma comida, nomes, músicas, entre outras. Herz e colaboradores, ao longo de muitos anos, desenvolveram diversos estudos sobre essa conexão, mostrando que ela é muito poderosa e capaz de resistir ao tempo.
Outro fenômeno que demonstra a associação da memória emocional com a percepção humana foi demonstrado por Samuel McClure e colaboradores, em 2004 no Texas. Eles realizaram um experimento no qual ofereciam aos participantes refrigerantes diferentes: Coca-cola ou Pepsi. Esses estímulos são basicamente compostos pelos mesmos ingredientes e estavam incluídos na cultura dos sujeitos, mas, mesmo assim, eram alvos de fortes preferências subjetivas e individuais dos participantes.
Os 67 participantes foram separados em 4 grupos. Para todos eles, no início do experimento, era feita a pergunta “Qual bebida você prefere consumir: Coca-cola, Pepsi, ou não há preferência?” (tradução livre). Os participantes dos grupos 1 e 2 beberam amostras desses dois refrigerantes não identificados, em 3 ou 15 tentativas, respectivamente. Já para os participantes dos grupos 3, foram apresentados um copo identificado de Coca-cola e um não identificado também desse refrigerante. O mesmo foi feito para os do grupo 4, porém com a Pepsi. Durante todo o experimento, as garrafas dos refrigerantes estavam expostas no local de coleta dos dados. Em cada tentativa, o participante experimentava a mesma quantidade de líquido das duas amostras e respondia por qual ele tinha preferência.
Durante a ressonância magnética funcional, os participantes foram instruídos a olhar para um ponto em uma tela enquanto bebiam a amostra do refrigerante. Nessa tela foram apresentados estímulos. Para os grupos 1 e 2, os estímulos eram um círculo vermelho ou um círculo amarelo, os quais foram associados a Coca-cola ou a Pepsi randomicamente entre os participantes. Para os grupos 3 e 4, eram apresentados uma imagem de lata de Coca-cola ou de Pepsi e um círculo amarelo ou vermelho para a outra amostra, randomizados entre os sujeitos.
Não foram encontradas diferenças significativas dependendo se havia ou não o conhecimento da marca no caso da Pepsi. Já no caso da Coca-cola, houve forte influência do conhecimento da marca. Os participantes preferiram muito mais a Coca-cola identificada do que a não identificada no caso do grupo 3, e também mais do que a Pepsi no caso dos grupos 1 e 2.
Com relação aos resultados dos exames de imagem, os efeitos da exibição das latas dos refrigerantes foram observados. Quando a imagem da lata de Coca-cola era exibida antes da experimentação da amostra desse refrigerante, eram ativadas áreas do cérebro como o hipocampo, o córtex pré-frontal dorsolateral e o mesencéfalo. Os experimentos com a Pepsi não tiveram os mesmos resultados, e não foram observadas diferenças entre a exibição ou não da lata desse refrigerante. O hipocampo e o córtex pré-frontal dorsolateral são áreas do cérebro comprovadamente relacionadas a emoção e ao afeto. Lesões nessas estruturas podem causar depressão, que é a falta de capacidade de utilizar os afetos positivos para basear o comportamento.
Esse estudo é um exemplo famoso das pesquisas que são feitas na área do neuromarketing, um ramo científico que produz conhecimento psicológico-cognitivo útil ao marketing. O objetivo dessa corrente é entender como funciona o comportamento do consumidor e quais são os processos internos do ser humano para a tomada de decisão, analisando o funcionamento do cérebro e como ocorrem nele os processos relacionados ao consumo. Com isso, estratégias de publicidade e propaganda mais eficientes podem ser criadas, auxiliando empresas a conquistarem e a fidelizarem um maior número de clientes. Mas, para além do marketing, as pesquisas também são de grande utilidade para o meio acadêmico. No exemplo do estudo de McClure, os resultados não se destinavam a ajudar empresas, mas sim a entender a simbologia cultural dos produtos.
Em sua próxima compra, lembre-se que muitos pesquisadores, de diferentes áreas, como a psicologia, a antropologia cultural, a economia e a sociologia, estavam, indiretamente ou não, por detrás da propaganda que influenciou a sua tomada de decisão.
E aí, você prefere Coca ou Pepsi?
Referências
Almeida Colaferro, C., & Crescitelli, E. (2014). A Contribuição do neuromarketing para o estudo do comportamento do consumidor. BBR – Brazilian Business Review, 11 (3), 130-153. PDF
McClure, S. M., Li, J., Tomlin, D., Cypert, K. S., Montague, L. M., & Montague, P. (2004). Neural correlates of behavioral preference for culturally familiar drinks. Neuron, 44(2), 379-387. https://doi.org/10.1016/j.neuron.2004.09.019
Moreira, B. C. M., Pacheco, A. F. A., & Barbato, A. M. (2011). Neuroeconomia e neuromarketing: Imagens cerebrais explicando as decisões humanas de consumo. Ciências & Cognição, 16(1). PDF
Rodrigues, F., Diogo, J., & Oliveira, M. (2015). Cérebro e a neurociência aplicada ao consumo – Córtex pré-frontal. Princípios de neuromarketing: Neurociência cognitiva aplicada ao consumo, espaços e design. Viseu: Psicosoma.
Schiffman, H. R. (2005). Sensação e Percepção. Rio de Janeiro: LCT.
Áudio do post
Siga por e-mail e compartilhe nas redes sociais
Sobre a autora
Giulia Veiga de Leite Ribeiro Melo é graduanda de Psicologia na Universidade de Brasília. Se dedica a pesquisas acadêmicas desde o ensino médio. É apaixonada pelo conhecimento. Mas de resto, só sabe que ama chocolate.
Termos de reprodução e divulgação do texto
Todos os textos publicados no eupercebo.unb.br podem ser reproduzidos na íntegra ou parcialmente por meios impressos e digitais, desde que não sofram alterações de conteúdo e que a fonte seja mencionada. Como referenciar este texto (normas da APA):
Melo, G. V. L. (2019, 25 de setembro). Sentindo o gosto e o aroma da emoção: A influência da emoção na percepção humana [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/09/25/gosto-e-aroma-da-emocao/