Por que acreditamos em teorias da conspiração? Contribuições da Psicologia Evolucionista

Teoria da conspiração pode ser descrita como uma hipótese explicativa de algum fenômeno, que implica em um grupo de pessoas intencionalmente e de forma secreta, apresentarem um objetivo comum prejudicial a um determinado conjunto de indivíduos. As suas diversas formas de aparição ocorrem em diversas sociedades, tanto modernas, quanto tradicionais, como a teoria que o homem nunca pisou na lua, ou que a vacina de COVID-19 pode causar AIDS. Mas por que são tão populares?

Por ser um fenômeno bastante complexo, existem várias hipóteses que tentam explicar o motivo de teorias conspiratórias serem amplamente aceitas em diversas sociedades. Ao adotar uma abordagem evolucionista, podemos analisar as teorias da conspiração como subprodutos evolutivos. Mas, primeiramente, o que são subprodutos evolutivos?

Enquanto adaptações são respostas para problemáticas relacionadas à sobrevivência de uma espécie que foram selecionadas naturalmente, os subprodutos não têm função resolutiva adaptativa, mas evoluíram a partir da seleção natural juntamente com as adaptações, como consequência delas. Assim, pode-se explicar à sujeição frente às teorias da conspiração devido a outros mecanismos psicológicos relacionados à tal sujeição e que foram selecionados ao longo do tempo.

Figura 1. Por vezes, teorias da conspiração parecem muito bem fundamentadas. Fonte: Unsplash.

Dentre tais mecanismos, os pesquisadores Jan-Willen van Prooijen e Mark van Vugt da Universidade Livre de Amsterdam (Países Baixos), destacam a percepção de padrões, detecção de agência e alianças. A percepção de padrões tem sua função adaptativa relacionada à aprendizagem associativa, ou seja, reconhecer relações causais. A percepção de padrões tem relevância evolutiva, já que ajuda o indivíduo na compreensão do ambiente, interpretando-o de forma lógica. Entretanto, essa predisposição a reconhecer relações de causa e efeito pode acarretar crenças em padrões inexistentes. Isso ocorre na tentativa de dar sentido ao mundo, mesmo que a situação não apresente evidências concretas de sua existência, como ocorre nas diversas teorias da conspiração.

O próximo mecanismo importante abordado para entender esse tipo de teoria como subproduto evolutivo é a detecção de agência, que se caracteriza pela capacidade evolutiva de se reconhecer motivação frente a ações de terceiros. Essa capacidade se mostrou bastante útil na história evolutiva, uma vez que facilitou a compreensão da intenção por outros e, por consequência, a cooperação entre indivíduos com objetivos comuns. Sendo assim, a detecção de agência auxiliou na regulação da vida social dos hominídeos. Entretanto, essa tendência de notar motivos nas atitudes de terceiros pode, eventualmente, acarretar na detecção de intenções inexistentes, o que pode promover a elaboração de teorias da conspiração.

Já a detecção de alianças é tida como um recurso evolutivo importante para a crença em teorias da conspiração, uma vez que uma conspiração, por definição, envolve um grupo de pessoas com objetivo em comum. Esse mecanismo tornou-se importante evolutivamente, uma vez que ao identificar alianças cujo objetivo é contrário ao seu, é possível se tomar decisões que favorecem a sobrevivência do indivíduo ou do grupo. Sendo assim, essa tendência a identificar cooperação de grupo de pessoas se torna imprescindível para construção e crença em teorias conspiratórias. Portanto, a teoria do subproduto parte de uma lógica de gerenciamento de ameaças devido às predisposições cognitivas adquiridas de forma evolutiva.

Figura 2. Símbolo Illuminati, sociedade secreta envolvida em muitas teorias da conspiração. Fonte: Pixabay.

Outra hipótese que tenta responder por que acreditamos em teorias conspiratórias é a Hipótese do Conspiracionismo Adaptativo, que defende que a crença em tais teorias é uma característica adaptativa da mente humana frente a coalizões. Considera-se que essa crença ajudou o ser humano a navegar no mundo social de maneira mais eficaz, uma vez que antecipa perigos no ambiente. Assim, não seria um subproduto evolutivo, já que tem função evolutiva por si só. Teoriza-se que devido a morte de ancestrais humanos serem comuns por violência de coalizão, ou seja, violência por grupo de conspiradores, a tendência em se detectar conspirações foi selecionada naturalmente.

Essa teoria tem por base considerar que os custos em se reconhecer conspirações, mesmo que elas não existam, são menores que os custos na negligência nesse reconhecimento, caso elas de fato existam. Frente a isso, há uma predisposição humana adaptativa para a detecção de conspirações, mesmo que falsos positivos ocorram recorrentemente. Deste modo, por meio desta adaptação os indivíduos podem agir de forma de reconhecer ameaças de violência de coalizão.

Por ser uma característica adaptativa, ela seria comum entre os seres humanos, independentemente da cultura, apesar de se apresentar em níveis diferentes. Nesse sentido, necessita-se ainda compreender mecanismos psicológicos para a detecção de conspirações a partir de pistas no ambiente. Assim, pessoas podem ser mais suscetíveis a teorias da conspiração a depender do contexto social, caso haja menos ou mais pistas ambientais que apontem perigo de coalizão. No entanto, certo nível de suscetibilidade seria inerente ao ser humano.

Para além de uma perspectiva evolucionista, as pesquisadoras Karen Douglas, Robbie Sutton e Aleksandra Cichocka da Universidade de Kent (Reino Unido), publicaram um trabalho em 2017 para explicar a crença em conspirações a partir de motivos epistêmicos, existenciais e sociais. Vale destacar que a suscetibilidade em crer em teorias pode ser compreendida por motivos individuais, como a propensão acentuada em buscar significado e padrões no ambiente, ou uma insatisfação pessoal em eventos de grande impacto, no qual uma explicação simples não se apresenta como suficiente para a pessoa. Nessa perspectiva, o fenômeno pode ser explicado pela necessidade do indivíduo de se sentir seguro em seu ambiente, de modo que há uma satisfação compensatória ao especular situações de perigo, já que a pessoa crê que o antecipou, criando um senso de controle e segurança. Assim, faz sentido a crença em teorias da conspiração se relacionarem com ansiedade e sentimento de impotência, uma vez que há uma tentativa de se estabelecer em uma situação de controle.

Figura 1. Manifestação social contra vacinas, tradução do cartaz: “enfermeira não vacinada”. Fonte: Unsplash.

Pode-se entender também, a crença em teorias conspiratórias por motivos sociais, como o desejo de pertencimento a um grupo. Há uma tendência em aderir às crenças do grupo desejado. Além disso, a crença em teorias da conspiração valoriza o grupo em que o indivíduo pertence, uma vez que está em oposição com outro grupo que apresenta um objetivo malévolo, de forma que pode aumentar a autoestima de quem acredita nelas. Assim, teorias conspiratórias podem ter função de se posicionar de maneira mais satisfatória no ambiente, evidenciando a posição de vítima benevolente de quem participa da crença. Pode ser vista, também, como um mecanismo para satisfazer o ego do indivíduo, uma vez que quem crê em tais teorias, acredita que grande parte da sociedade em que se encontra está sendo manipulada, porém a pessoa crê que somente o grupo que dela sabe a verdade.

Aqui, focamos em aspectos evolutivos da crença em teorias da conspiração e iniciamos a apresentar elementos psicossociais. Em um próximo texto, vamos nos aprofundar em fatores cognitivos, sociais e afetivos de uma temática muito próxima: a desinformação!

Referências

Douglas, K. M., Sutton, R. M., & Cichocka, A. (2017). The psychology of conspiracy theories. Current Directions in Psychological Science, 26(6), 538-542. https://doi.org/10.1177/0963721417718261

Van Prooijen, J. W., & Van Vugt, M. (2018). Conspiracy theories: Evolved functions and psychological mechanisms. Perspectives on Psychological Science, 13(6), 770-788. https://doi.org/10.1177/1745691618774270

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Imagem da capa do post: Unsplash.


Sobre os autores

Juliana de Moura Pires. Graduanda em psicologia pela UnB. Interessada em Psicologia Clínica, com o objetivo da melhora da qualidade de vida dos indivíduos. Gosta de aprender sobre dispositivos de gênero e raça, e suas consequências sociais e individuais.

Camila Mota Silva. Bacharel em biotecnologia e graduanda em Psicologia pela UnB. Interessada em ciência e cultura. Gosta de estudar Psicologia Clínica, Social e do Trabalho.

João Luís Silva Ferraz. Graduando em psicologia pela UnB. Passa muito de seu tempo explorando mundos fantásticos em livros, filmes e jogos. Gosta de estudar neurociências e cognição.

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Pires, J. M., Silva, C. M., & Ferraz,J. L. S. (2022, 24 de maio). Por que acreditamos em teorias da conspiração? Contribuições da Psicologia Evolucionista. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/05/24/por-que-acreditamos-em-teorias-da-conspiracao-contribuicoes-da-psicologia-evolucionista/

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