Como apreciar um céu estrelado? Dicas a partir do processo de adaptação ao escuro

Sabe quando você está dormindo e do nada alguém liga a luz e seus olhos começam a doer? Ou quando você está indo dormir e com o tempo você divaga com seus pensamentos até conseguir enxergar melhor as coisas no escuro? Ou então já se perguntou o que pode ser feito para apreciar melhor um céu estrelado? Pois é, isso tudo tem a ver com a adaptação dos seus olhos ao escuro.

Vamos imaginar a seguinte situação: Você está em seu quarto lendo um livro com a luz acesa quando começou uma chuva que fez a energia da sua casa cair, seu quarto ficou escuro. A primeira coisa que você experimenta é uma cegueira temporária, já que as células dos seus olhos ainda estão adaptadas à luz que estava acesa em seu quarto. Desse momento até os primeiros dez minutos, sua visão apresenta uma significativa melhora, sendo que por volta dos trinta minutos sua adaptação ao escuro estará no nível máximo. Mas por que isso acontece? Bom, a resposta para isso está escondida na parte de trás de seus olhos, onde a luz é refletida quando entra neles: a sua retina.

A informação que nossos olhos recebem está na forma de energia eletromagnética, a intensidade, as cores, as sombras, tudo isso é informação chegando à retina. Lá, dois tipos de células são muito importantes para transformar a informação que está em forma de luz para a forma que o cérebro é capaz de reconhecer sinais elétricos. Essas células estão ilustradas na Figura 1 e são conhecidas como cones e bastonetes devido a seu formato. 

Figura 1. Representação de bastonete e cone. Retirado de: pt.khanacademy.org.

Os cones se concentram na região central da retina, denominada fóvea, sendo a maioria nessa região e, por isso, as principais células responsáveis por formar imagens na região central da visão (veja a Figura 2). São também capazes de perceber detalhes de forma mais apurada e detalhada. Já os bastonetes são mais sensíveis à luz do que os cones e são os principais responsáveis pela formação das imagens na visão periférica, a famosa “visão de canto de olho”.

Figura 2. Distribuição de cones e bastonetes na retina, evidenciando a maior quantidade de bastonetes na parte periférica. Retirado de: Goldstein, E. B. (2014). Sensation and perception (9ª ed). Belmond, CA: Wadsworth. Cengage Learning.

Dito isso, vamos relembrar um pouco a situação que imaginamos para entender melhor como essas células agem de formas diferentes quando você está no escuro. Lembra daqueles primeiros dez minutos? Então, os cones se adaptam e chegam ao seu máximo de sensibilidade mais rápido que os bastonetes, por isso, a melhora que você percebe nesse primeiro momento deve-se principalmente a eles. Já em relação aos bastonetes, eles atingem seu máximo em cerca de 30 minutos, logo, chegando nessa marca, seus olhos devem estar no máximo de sua adaptação. Esse processo pode ser visto na Figura 3.

Figura 3. Curva de Adaptação ao Escuro. No eixo “y” está representado o limiar de percepção da luz e no eixo “x” a passagem do tempo em minutos. A linha verde se refere aos cones, a azul aos bastonetes e a vermelha é a resultante da sensibilidade máxima. Retirado de: Goldstein, E. B. (2014). Sensation and perception (9ª ed). Belmond, CA: Wadsworth. Cengage Learning.

Bom, já sabemos que seus olhos se adaptam ao escuro, o ritmo em que isso acontece e a especialidade das principais células envolvidas nesse processo. Agora, vamos mergulhar um pouco mais fundo no funcionamento delas no escuro, mais especificamente dos bastonetes, as células mais sensíveis à luz. Além disso, vamos falar de uma substância química importantíssima para o funcionamento dessas células: A rodopsina.

A Rodopsina é um pigmento visual, uma substância instável que sofre alterações de acordo com a quantidade de luz e que é muito importante para a nossa adaptação ao escuro. Quando exposta a luz, ela se “transforma” na proteína opsina e em vitamina A, no escuro, ela lentamente se regenera, demorando cerca de 20 a 30 minutos para que a reação química se complete.

Você deve ter notado que o tempo de regeneração da rodopsina coincide com o tempo que levamos para completar a adaptação ao escuro. A verificação desse fato foi um dos principais motivos que levaram os cientistas a estudar essa substância e entender sua importância para a adaptação ao escuro, interessante, não?

Em um estudo realizado em 1961 pelo psicólogo William Rushton, foi concluído que a velocidade com a qual nos adaptamos ao escuro depende da regeneração do pigmento visual. Assim, é interessante notar que a adaptação ao escuro é o fenômeno perceptual subjetivo e a regeneração do pigmento visual é seu correlato fisiológico.

Com base nisso, os cientistas Gregory Jackson, Cynthia Owsley e Gerald McGwin, em 1999, conduziram então um estudo com pessoas idosas cujos pigmentos visuais se regeneravam mais lentamente. O resultado encontrado foi que, os pigmentos se regenerando mais lentamente, a adaptação ao escuro se completava mais lentamente.

Por fim, com seus novos conhecimentos sobre o funcionamento dos olhos e da adaptação ao escuro, resta a pergunta, como aproveitar melhor um céu estrelado? Bom, a primeira dica é evitar luzes fortes por pelo menos 20 a 30 minutos, assim, você passará pelo fenômeno de adaptação ao escuro sem fortes interrupções e estará mais sensível às estrelas no final do processo. Isso inclui seu telefone celular hein! A segunda dica é tentar olhar para o céu de um modo mais amplo, utilizando sua visão periférica em vez de focar em estrelas específicas, assim você estará usando mais seus bastonetes, as células mais sensíveis à luz. A última dica agora é reunir um bom grupo de amigos, encontrar um lugar tranquilo e com pouca iluminação e curtir sem preocupações esse fenômeno lindo que é o céu cheio de estrelas!

Figura 4. Céu estrelado. Foto: Ben Canales.

Referências

Goldstein, E. B. (2014).Sensation and perception (9ª ed). Belmond, CA: Wadsworth. Cengage Learning.

Schiffman, H. R. (2005). Sensação e Percepção. Rio de Janeiro: LCT.

Rushton, W. A. H. (1961). Dark adaptation and the regeneration of rhodopsin. Journal of Physiology, 156, 166–178. https://doi.org/10.1113/jphysiol.1961.sp006666

Jackson, G. R., Owsley, C., & McGwin Jr., G. (1999). Aging and dark adaptation. Vision research, 39(23), 3975-3982. https://doi.org/10.1016/S0042-6989(99)00092-9

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Foto de capa do post: Gustavo Massola.


Sobre os autores

Antonio Juvenal da Silva Júnior. Graduando de Psicologia na Universidade de Brasília, interessado na área de Psicologia Clínica e Psicologia da Saúde. Gosta de assistir séries nas horas vagas, sair com os amigos e conhecer novas pessoas.

João Guilherme Siqueira Casalecchi. Graduando de Psicologia na Universidade de Brasília, participa de um grupo de pesquisa na área de Psicologia Evolucionista, gosta de frequentar serestas com seu avô e passar tempo com sua namorada.

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da Silva, A. J., Jr., & Casalecchi, J. G. S. (2020, 24 de setembro). Como apreciar um céu estrelado? Dicas a partir do processo de adaptação ao escuro [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/09/24/como-apreciar-um-ceu-estrelado-dicas-a-partir-do-processo-de-adaptacao-ao-escuro/

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