Psicofísica Moderna III – Escalas Psicofísicas (parte I)

Existem pessoas que são notáveis pelo seu legado na história da humanidade. Porém, dentro deste grupo, existe um seleto grupo das pessoas notáveis por diferentes acontecimentos em diferentes campos de atuação. Dentre deste segundo grupo, além de Michelangelo, Isaac Newton e Arnold Schwarzenegger, está Stanley Smith Stevens (1906-1973), psicólogo norte-americano que fundou o Laboratório de Psicoacústica da Universidade de Harvard.

Figura 1. Exemplo de personalidade reconhecida em diferentes campos de atuação. Para saber mais, clique aqui. Fontes (da esq. para dir.): curiosidades-andre.blogspot.com.br, uc.globo.com, washingtoncitypaper.com.

Em um texto anterior, Psicofísica Moderna I, nós mostramos que a partir de métodos psicofísicos diretos, Stevens reviu a Lei de Fechner e propôs A Função Potência. O peso desta descoberta dentro da história da Psicofísica é comparável à Fração de Weber e à Lei de Fechner. Esta contribuição permitiu o florescimento de uma Psicofísica mais subjetiva, baseada diretamente nos julgamentos dos participantes. Porém, esta nova forma de métrica incomodou os teóricos de modelos de medidas mais fundamentalistas a ponto de uma comissão ser formada para investigar estas novas técnicas de interpretações numéricas.

Nos anos de 1932-1940, a Associação Britânica para o Progresso da Ciência formou um comitê para examinar e se informar sobre a possibilidade de realizar estimativas quantitativas para eventos sensoriais. A Escala de Sonoridade de Sone, de autoria de Stevens, foi tomada como exemplo direto para críticas. A questão fundamental era: “É possível medir a sensação humana?” Apesar de soar como simplista e ingênua nos dias atuais, a dúvida suscitou desacordos e discussões em seus sete anos de atividade. Um dos membros escreveu no relatório final que:

“Qualquer lei pretendendo expressar uma relação quantitativa entre a intensidade de sensação e intensidade de estímulo não é apenas falsa mas, de fato, sem sentido, a menos que e até que um sentido possa ser dado ao conceito de adição tal como é aplicado a sensação”.

Em grande parte, tais discussões ocorreram porque os eminentes cientistas discutiam não somente a possibilidade de medidas sensoriais, mas, de fato, o próprio significado de medida. A questão permaneceu inócua até que Stevens publicou um artigo na revista Science em 1946. Foi a partir disso que o psicólogo estadunidense novamente teria seu trabalho reconhecido e, desta vez, não restrito apenas à Psicofísica. Neste artigo, Stevens propôs um conceito mais abrangente de medida e uma teoria dos níveis de medida em respostas aos membros mais tradicionalistas do extinto conselho. Este artigo de apenas quatro páginas se tornaria clássico e sua teoria obteve ampla aceitação não somente na Psicologia, mas em diversos domínios do conhecimento científico, de modo que ainda hoje é utilizada.

Figura 2. Cabeçalho do artigo sobre Teorias de Medidas publicado na Science.

A importância desse trabalho se deve, principalmente, pelo fato da medida ser entendida de uma maneira mais ampla e liberal, sendo uma atribuição de números a eventos ou objetos de acordo com regras. Estas regras se apresentam em níveis hierárquicos de restrições impostos aos dados, relativos, principalmente, aos axiomas matemáticos que eles preservam. Axiomas são regras das quais enunciados são derivados de maneira lógica. Os axiomas são salvos na medida em que permitem a substituição de elementos sem perda de informação. Quanto mais deles são preservados, mais sofisticada é a medida. Os axiomas matemáticos foram detalhados e descritos por Whitehead e Russell (1910-1913, 1965) no livro Principia Mathematica e demonstrados empiricamente por Guilford (1954).

As escalas descritas por Stevens podem ser nominais, ordinais, intervalares e de razão. Estas serão descritas num próximo texto. Nossa intenção aqui foi apresentar o tema em um contexto histórico. O modelo de níveis de medida proposto por Stevens ainda hoje é utilizado para mensuração e análises estatísticas em amplas áreas do conhecimento.

Referências

Michell, J. (2002). Steven’s theory of scale of measurement and its place on modern psychology. Australian Journal of Psychology, 54(2), 103. https://doi.org/10.1080/00049530210001706563

Miller, G. A. (1975). Stanley Smith Stevens, Biographical Memoir, v. 47. Washington, DC: National Academy of Sciences.

Pasquali, L. (2010). Teoria da medida. Em: Pasquali, L. (Org.) Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas (pp. 56-78). Porto Alegre: Artmed.

Stevens, S. S. (1946). On the theory of scales of measurement. Science, 103 (2684), 677-680. https://doi.org/10.1126/science.103.2684.677

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Sobre o autor

Rui de Moraes Jr. é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília.

Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 27/10/2013.

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de Moraes, R., Jr. (2019, 11 de novembro). Psicofísica Moderna III – Escalas Psicofísicas (parte I) [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/11/11/psicofisica-moderna-iii-escalas-psicofisicas-parte-i/  

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