Influência dos videogames na percepção e na cognição

Saiba que muito além de diversão, os jogos eletrônicos podem proporcionar benefícios ao seu cérebro

Figura 1. Personagens do clássico jogo de Super Nintendo “Super Mario”. Retirado de: pexels.com

Com uma evolução tecnológica significativa nas últimas décadas, os videogames passaram a ser cada vez mais presentes nas vidas das pessoas e representam atualmente as plataformas mais famosas e lucrativas da mídia, superando as indústria da música e cinema juntas. Os jogos eletrônicos, mais comumente referidos como videogames, são plataformas de entretenimento midiático, que esbanjam recursos narrativos de imersão e interação com os jogadores de videogames (JVGs). Desde seu surgimento, os jogos evoluíram exponencialmente, tanto nas tecnologias utilizadas quanto em suas narrativas. Os jogos podem ser encontrados em consoles (aparelhos multimídia especializados em jogos), computadores e smartphones, simulando pequenas realidades que há 40 anos eram inimagináveis. Gráficos, simulações de realidade virtual e sensores de movimentos são alguns exemplos dessa evolução tecnológica.

Talvez você saiba disso tudo, mas o que muitas pessoas desconhecem é que os videogames demandam um complexo processamento de informações simultâneas que dependem das funções cognitivas dos indivíduos, como percepção, memória, raciocínio e muita atenção. A partir disso, pesquisas recentes demonstram que jogadores de videogame apresentam um grande desenvolvimento dessas habilidades, no qual sua flexibilidade cognitiva e desempenho em diversas tarefas se mostram melhores do que as pessoas que não jogam videogames.

Mas por que isso é possível?

Figura 2. Pessoas jogando videogame. Retirado de: pexels.com

Sabe-se que boa parte dos jogos são consumidos pela diversão, porém muitos jogadores também são atraídos pelo desafio e pela competitividade que tais plataformas possibilitam. Visando isso, os desenvolvedores produzem jogos cada vez mais difíceis e competitivos, que apresentam um grande número de estímulos visuais e auditivos, além de exigir altos níveis de atenção, memorização, orientação visuo-espacial, abstração, melhores tempo de resposta e processamento eficiente de informações. Essa é uma realidade tão presente na indústria dos videogames que a demanda fez surgir campeonatos competitivos profissionais, denominados E-Sports (Electronic Sports). Nessas competições os jogadores devem treinar e aprimorar suas funções cognitivas em prol de melhores resultados.

Alguns jogos mundialmente conhecidos dessas competições atualmente são: Fortnite: Battle Royale, Counter Strike: Global Offensive e Overwatch. Tais jogos fazem parte de uma categoria mais abrangente dos jogos atuais e são classificados como jogos de ação, podendo incluir luta, tiro e aventura. Suas principais características são o combate e a alta interatividade, que exigem tempos de reação muito rápidos e raciocínio lógico do jogador que necessita criar estratégias constantes no decorrer das partidas.

Figura 3. Edição 2014 do Internacional Dota 2 Championship. Retirado de: pt.wikipedia.org

É consenso entre diversos pesquisadores sobre a alta capacidade do cérebro humano em se adaptar às demandas e experiências vividas pelos indivíduos. Fatores culturais e de experiência são fundamentais para o desenvolvimento cerebral e tem implicações significativas na cognição e também na percepção. Esse tipo de processamento de informações é conhecido como processamento top-down e tem por base a aprendizagem humana. Devido ao constante contato dos jogadores com os jogos e as exigências de alto desempenho, o cérebros desses indivíduos passam a se adaptar a tais demandas e se tornam mais eficientes no processamento dessas informações.

A partir disso, algumas pesquisas vêm demonstrando como o contexto de alto desempenho dos jogos possibilitam uma melhora nos recursos cognitivos dos jogadores. A atenção, por exemplo, é um dos componentes mais privilegiados. Devido a necessidade de concentração por longos períodos de tempo em contextos (partidas) de alta interatividade, os jogadores apresentam melhoras significativas nos diversos tipos de atenção, como: atenção seletiva, sustentada, dividida e alternada.

Cada tipo de atenção é especializada em formas de discriminação, identificação e transferência dos recursos atencionais aos estímulos do ambiente. A atenção seletiva envolveria uma discriminação no qual o indivíduo seleciona os estímulos de seu interesse. A atenção sustentada é aquela no qual um indivíduo consegue manter sua atenção em determinado(s) estímulo(s) por um certo período de tempo. A atenção dividida refere-se à capacidade do indivíduo em direcionar a sua atenção a várias tarefas simultaneamente. E, por fim, a atenção alternada, onde a pessoa demonstra uma transição da atenção de um estímulo para outro. Assim, em um contexto de jogo, o papel da atenção é muito importante, pois permite a filtragem de informações pertinentes para um bom desempenho (você pode ler mais sobre atenção clicando aqui).

Além disso, a memória é outro componente beneficiado. Devido a necessidade de aprender, recordar informações solucionar problemas no decorrer das partidas, os jogadores apresentam melhores desempenhos em testes que avaliam não só a memória de curto ou longo prazo, como também a memória de trabalho. A memória de trabalho se refere a capacidade dos indivíduos de armazenar temporariamente e manipular informações necessárias para a execução de tarefas complexas.

Já em relação a percepção, outras pesquisas vêm mostrando que os jogos possibilitam aprimoramento da percepção visual e auditiva em indivíduos com vasta experiência em jogos de videogame, no qual os JVGs utilizam de um processamento multissensorial, e conseguem diferenciar com maior eficiência estímulos visuais e auditivos que ocorriam ao mesmo tempo ou levemente deslocados no tempo, apresentando maior precisão e menores limiares em relação a percepção dos estímulos (para ler sobre limiares, clique aqui). Além disso, JVGs apresentam melhoras na resolução espacial da visão, sensibilidade ao contraste e melhor desempenho oculomotor.

Apesar de tais contribuições, os jogos são mídias que sofrem diversos  preconceitos de observadores externos a comunidade dos gamers e são vistos como uma mídia marginal. Geralmente os videogames são associados a condutas violentas, automação sensório-motora e alienação social. Alguns estudos não chegaram a resultados conclusivos em relação aos benefícios, enquanto outros verificaram que os jogos eletrônicos podem ter impacto negativo, relacionando-os as problemas de déficit de atenção e piora no controle executivo. Para Baum e Maraschin, dois autores que realizam pesquisas sobre o tema, tais afirmações não são verdadeiras. Segundo eles, os jogos se mostram complexos e apresentam uma interação inventiva no qual os JVGs passam por um processo de aprendizagem imersivo, uma vez que os jogos vão além de uma repetição mecânica, sendo antes uma atividade produtora e criadora de aprendizado.

Portanto, de acordo com diversas pesquisas que investigam a interação dos gamers e suas plataformas, os jogos eletrônicos podem possibilitar melhoras nas funções cognitivas dos indivíduos em um contexto de alto desempenho. Isso ocorre pelos jogos demandarem recursos de atenção, memória e velocidade de processamento de informações e raciocínio lógico. Tais informações podem subsidiar novas pesquisas sobre o aprimoramento das capacidades cognitivas dos indivíduos, inclusive em contextos clínicos e educacionais como, por exemplo, em casos de déficits de memória e atenção.

Referências

Baum, C., & Maraschin, C. (2011). Explorando “Arkham Asylum”: Sobre vídeo game e aprendizagem inventiva. Revista Polis e Psique, 1(2), 32-42.  https://doi.org/10.22456/2238-152X.26919

Rivero, T. S., Querino, E. H., & Starling-Alves, I. (2012). Videogame: Seu impacto na atenção, percepção e funções executivas. Revista Neuropsicologia Latinoamericana, 1(1), 38-52. http://doi.org/10.5579/rnl.2012.109

Donohue, S. E., Woldorff, M. G., & Mitroff, S. R. (2010). Video game players show more precise multisensory temporal processing abilities. Attention, Perception, & Psychophysics, 72(4), 1120-1129. https://doi.org/10.3758/APP.72.4.1120

Schiffman, H. R. (2000). Sensação e Percepção . Rio de Janeiro: LTC.

Áudio do post

Siga por e-mail e compartilhe nas redes sociais


Sobre o autor

Edimilson dos Santos Gonçalves é estudante de Psicologia pela Universidade de Brasília. Teve experiência nos cursos de Direito e Filosofia. Tem dedicado sua formação principalmente à área educacional e de desenvolvimento humano, com interesse em pesquisas relacionadas a aspectos cognitivos e influência da tecnologia nos processos psicológicos, saúde mental e comportamento humano.

Termos de reprodução e divulgação do texto

Todos os textos publicados no eupercebo.unb.br podem ser reproduzidos na íntegra ou parcialmente por meios impressos e digitais, desde que não sofram alterações de conteúdo e que a fonte seja mencionada. Como referenciar este texto (normas da APA):

Gonçalves, E. S. (2019, 13 de outubro). Influência dos videogames na percepção e na cognição [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/10/13/influencia-dos-videogames-na-percepcao-e-na-cognicao/  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *