Psicofísica Clássica III – Métodos Clássicos

A Psicofísica é o estudo quantitativo da relação entre a estimulação física e a resposta sensorial.  O seu desenvolvimento deve muito às investigações de Ernst Heinrich Weber (1795-1878)  e Gustav Theodor Fechner (1801-1887). Este último em seu livro “Elemente der Psychophysik” (1860) cunhou o termo e expôs os fundamentos teóricos e práticos da Psicofísica. A abordagem matemática a um assunto antes restrito à especulação metafísica fez com que a Psicologia adquirisse status de ciência. Tudo bem, mas como se faz uma pesquisa em Psicofísica? Há algum método experimental a seguir? Se você voltar poucas linhas acima, verá que está escrito “fundamentos teóricos e práticos da Psicofísica”!

Isso mesmo, Fechner em seu livro não se limitou a construir um arcabouço teórico sólido. Ele também descreveu três métodos experimentais, os quais foram utilizados para verificar a validade de suas hipóteses ao obter o Limiar Diferencial  e o Limiar Absoluto. Dado o seu valor histórico, esses métodos são conhecidos como Métodos Clássicos.  Eles ainda hoje são utilizados por pesquisadores, especialmente para determinar quão sensível somos para julgar propriedades de um objeto (tamanho, forma, posição, movimento, etc.).

É importante ressaltar, que independente do método, o cálculo do limiar absoluto e do limiar diferencial envolve a realização de várias medidas. Mas porque são necessárias tantas repetições? A medida de um limiar refere-se a um estado momentâneo e por isso varia, não é uma magnitude constante. Assim, são feitas muitas medições para minimizar essas variações causadas por fatores como a excitabilidade dos receptores sensoriais, fadiga, distração e outros. A partir destas medidas, calcula-se um valor probabilístico para o limiar.

Para não aborrecê-lo com muita matemática e números, farei uma breve descrição e uma análise crítica destes métodos. Se você quiser e precisar, há bons livros e um excelente material escrito pelos professores José Aparecido da Silva e Reinier Johannes Antonius Rozestraten (1924-2008) aqui para se aprofundar sobre os cálculos do limiar diferencial e absoluto.

Vamos começar com o Método do Ajuste, ou método do erro médio, ou da igualação, ou de reprodução. Este método foi elaborado em 1850 por Fechner e Alfred Wilhelm Volkmann (1801-1877), professor na Universidade de Leipzig, mesma Universidade em que Fechner havia sido professor. O curioso é que a relação entre eles não era apenas profissional. Fechner era casado com a irmã de Volkmann, Clara Maria.

O método tem esse nome porque é o próprio participante quem ajusta a intensidade do estímulo físico. Para o cálculo do limiar absoluto, o experimentador fornece um valor abaixo do limiar e o participante aumenta-o até que consiga percebê-lo (série ascendente) ou então a partir de um valor acima do limiar deve diminuí-lo até parar de notá-lo (série descendente).

Já para o cálculo do limiar diferencial, dois estímulos são apresentados, um o de comparação e outro o padrão [1]. O estímulo de comparação pode ser maior (série descendente) ou menor (série ascendente) que o estímulo padrão e a tarefa do participante é ajustar o de comparação até igualá-lo ao padrão.

Este método tem a grande vantagem de ser de rápida aplicação já que os limiares são encontrados após poucas tentativas, sendo muito indicado para estímulos contínuos (por exemplo, o som). É claro que nem tudo é perfeito. Este método recebe críticas, porque os limiares serão dependentes da sensibilidade do equipamento utilizado para ajustar os estímulos e pela ocorrência de um erro temporal constante. Este último é um erro sistemático nos julgamentos, que pode ocorrer na obtenção do limiar diferencial, quando o estímulo padrão sempre antecede o de comparação. Neste caso, o estímulo de comparação sempre parece maior que o padrão. Isso pode ser evitado apresentando os estímulos em ordem aleatória [2].

Nem só de limiares vive a Psicofísica. Este método é muito utilizado para o estudo de ilusões, o que nos permite entender as propriedades e o funcionamento do sistema visual humano. Um bom exemplo é a ilusão de Müller-Lyer. Nesta ilusão, duas linhas de mesmo tamanho aparentam ser diferentes em função da maneira como as setas em suas extremidades estão dispostas, se para dentro ou para fora.

Figura 1. Ilusão de Müller-Lyer. Entre as 3 setas superiores (totalmente negras), o segmento de linha da seta do meio é percebida como maior que as outras duas, o efeito é maior em relação à de cima. Nas 3 setas inferiores (com as linhas em vermelho) pode-se verificar que os segmentos de linha tem o mesmo tamanho. (Fonte: en.wikipedia.org)

Em um experimento com o método dos ajustes, pode-se pedir ao participante para manipular o tamanho das linhas até que pareçam ter o mesmo tamanho. Que tal testar isso? Você pode provar e verificar a magnitude da ilusão a partir de seus próprios ajustes aqui.

O segundo método descrito por Fechner é o Método dos Limites, também conhecido como método de estímulo ou de diferenças apenas perceptíveis ou de exploração seriada, ainda com uma variante, o método de séries plenas e ordenadas. A principal diferença em relação ao Método do Ajuste, é que neste método o pesquisador é quem manipula a intensidade dos estímulos. Assim, o observador deve emitir seus julgamentos, indicando se percebe ou não o estímulo (para obter o limiar absoluto) ou se o estímulo de comparação é maior ou menor que o padrão (para o cálculo do limiar diferencial).

Este método tem a vantagem de ser bastante flexível, podendo ser aplicado em diversas situações, porém não está isento de problemas. O primeiro é o chamado erro de estímulo, o qual ocorre quando os participantes tentam “acertar” a resposta. Isto é, os observadores fazem correções de acordo ao que seria esperado na realidade física. Assim, um julgamento que deveria ser sensorial, torna-se objetivo. Além desse erro, pode-se apontar outros dois: erro pela habituação e o erro pela expectativa. O primeiro é a tendência dos participantes em darem a mesma resposta após um tempo decorrido do experimento; e o segundo é a evidência de que observador começa a prever a localização do limiar e assim muda seu julgamento antecipadamente.

Por último temos o Método dos Estímulos Constantes, ou método dos casos falsos e verdadeiros, ou das freqüências ou das diferenças de estímulo constante. Algumas fontes apontam Karl Von Vierordt (1818-1884) e outras Friedrich Hegelmaier (1833-1906) como o primeiro a utilizar este método, ambos em 1852. Independente disto, Fechner fez aportes a este método e o descreveu em seu livro.

O método consiste na apresentação de uma série de estímulos, em geral de 5 a 9, os quais são repetidos muitas vezes. Há um consenso de que devem ser repetidos no mínimo 20 vezes, embora alguns autores defendam até 50 apresentações de cada estímulo ou par deles.  Diferentemente do Método dos Limites, no qual estímulos são apresentados em ordem (ascendente ou descendente), no Método dos Estímulos Constantes a apresentação é aleatória. Isso evita os erros por habituação e por expectativa. Após cada apresentação, o observador deve indicar se o estímulo foi percebido ou não (limiar absoluto) ou se sua intensidade foi maior ou menor do que a do estímulo padrão (limiar diferencial).

Ele é de fácil aplicação, além de ser o mais exato para a obtenção dos limiares devido ao grande número de ensaios realizados. Por outro lado, daí advém seu principal problema: a ocorrência de erros de julgamento por cansaço, falta de motivação e etc., dada a grande duração dos experimentos. Isso pode ser minimizado com pausas programadas, de modo que o participante possa descansar. Estas e outras questões referentes ao Método dos Estímulos Constantes serão aprofundadas em um próximo texto, no qual também será apresentado o Método das Escadas Duplas. Ambos merecem uma análise mais detalhada, pois são os métodos mais ampla e atualmente empregados em pesquisas.

Enfim, há mais de um século os Métodos Clássicos são utilizados e com eles muito foi descoberto. No decorrer deste tempo, eles foram criticados e surgiram soluções, foram modificados e também outros métodos foram desenvolvidos. É claro que pontos muito importantes não foram abordados aqui, por exemplo, como calcular os limiares e outros parâmetros. Agora é com você, continue estudando. Há muito que se investigar!

Referências

Ehrenstein, W. H.; Ehrenstein, A. (1999). Psychophysical Methods. In: U. Windhorst; H. Johansson, Modern Techniques in Neuroscience Research. Berlin: Springer.

Schiffman, H. R. (2005) Psicofísica. In: H. R. Schiffman, Sensação e Percepção (pp. 17-33). Rio de Janeiro: LTC.

Notas

Nota 1 – No cálculo do limiar diferencial, dois estímulos são apresentados em sucessão ou simultaneamente. Um deles é fixo, constante, conhecido como Estímulo Padrão, St na abreviatura em inglês (Standard Stimulus). O outro é variável, assumindo diferentes valores acima e abaixo do estímulo padrão, conhecido como Estímulo de Comparação ou teste, abreviatura em inglês Cs (Comparison Stimulus).

Nota 2 – Este tipo de erro pode acontecer também com a apresentação simultânea do estímulo padrão e do estímulo de comparação. Se a posição deles é fixa, por exemplo se o estímulo padrão sempre é apresentado à esquerda ou acima em relação ao de comparação, se observará um erro constante. Por isso é importante variar a posição de apresentação dos estímulos.

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Sobre o autor

Leonardo Gomes Bernardino é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia.

Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 04/04/2011.

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Bernardino, L. G. (2019, 3 de outubro). Psicofísica Clássica III – Métodos Clássicos [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/10/03/psicofisica-classica-iii-metodos-classicos/  

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