Optogenética: controlando o cérebro com a luz!

Nosso cérebro nos permite sentir, perceber, falar, entender, fazer uma conta difícil, entre outras coisas sensacionais. Nós somos o nosso cérebro, assim como outros animais são seus respectivos cérebros. Pois então, você já se perguntou como os cientistas estudam o cérebro (Figura 1), essa gelatina cheia de giros e sulcos, que pesa cerca de 1,3 kg em humanos e é tido como nosso computador central? E, ainda, quais as bases orgânicas que propiciam certo comportamento?

Figura 1. Modelo representando os sulcos e os giros do cérebro humano. Fonte: unsplash.com.

A resposta pode ter duas vertentes: a primeira tem relação com sua forma, com a anatomia desse supercomputador, como o estudo a partir de pacientes que possuem alguma lesão e o que isso acarretou no comportamento ou percepção dessas pessoas. E já a segunda tem a ver com o funcionamento desse órgão ao longo do tempo, no contexto de realização de certas tarefas, após a ingestão de certo fármaco ou até mesmo o padrão de atividade cerebral quando se está fazendo nada.

Cientistas estudam desde animais invertebrados até mamíferos (o que nos inclui) para tentar entender as nuances desse sistema tão complexo, que é o sistema nervoso. Para isso, eles empregam diferentes técnicas, tanto em nós, quanto em outros seres vivos. Muitas delas são baseadas nas propriedades elétricas do cérebro ou no metabolismo dele. Alguns exemplos em humanos são a Eletroencefalografia (EEG) e a Ressonância Magnética Funcional (fMRI). Já em animais, além desses já realizados em humanos, pesquisadores utilizam uma técnica que parece ter saído de um filme de ficção científica, a optogenética, que permite controlar o cérebro com luz!

Um grupo de pesquisadores, liderados por Karl Deisseroth, um professor de neurobiologia e psiquiatria da Universidade de Stanford, na Califórnia, criaram uma técnica que permite a manipulação em tempo real de populações específicas de neurônios! Em 2005, eles fizeram com que uma proteína presente em algas (isso mesmo, em algas!) fosse expressa em neurônios e, quando a luz incidia nessa proteína, ativava e desencadeava a atividade de neurônios específicos (Figura 2).

Figura 2. Desenho representando um feixe de luz em um neurônio e atingindo as proteínas de membrana (canais iônicos). Fonte: McGovern Institute.

Essa metodologia, chamada de optogenética, fez uma revolução nas Neurociências, isso porque propiciou uma manipulação em tempo real da ativação/inibição de populações de neurônios específicos. Isso é importante para o entendimento do sistema nervoso pois permite muito mais que uma correlação, e sim uma causalidade daquela rede de neurônios com um certo comportamento.

Mas o que uma alga tem a ver com isso tudo?

Sim, isso tudo foi a partir de uma proteína fotossensível presente em uma alga unicelular (Figura 3). Conhecidas como Channelrhodopsinas, essas proteínas possuem um papel sensorial em algas, sendo ativadas na presença de luz, assim como nossos fotorreceptores na retina (guarde essa informação!). Quando são ativadas, permitem o fluxo de íons como sódio (Na) e cálcio (Ca), gerando uma diferença de potencial elétrico na célula (Figura 4) e permitem um movimento rumo à luz dessas pequenas algas.

Figura 3. Imagem de microscopia da alga verde (Chlamydomonas reinhardtii) de onde se extraiu a Channelrhodopsina. Fonte: Wikipedia.
Figura 4. Esquema mostrando os canais iônicos com mais detalhes
Fonte: Czapiński et al. (2017), https://doi.org/10.3389/fchem.2017.00012.

A essência do funcionamento de neurônios que, quando inseridos em uma rede complexa, dão origem ao que somos e também ao que os outros animais são, se baseia no chamado Potencial de Ação. Essa alteração muito rápida e transitória de polaridade elétrica na membrana do neurônio ocorre quando ele recebe um estímulo, seja sensorial ou de um outro neurônio. Os potenciais de ação carregam informação acerca de tudo o que nos cerca, assim como permitem (são, na verdade) o funcionamento do cérebro.

Quando se tornou possível expressar essas proteínas em neurônios, os pesquisadores geraram potenciais de ação após excitar essas células com energia luminosa e, com isso, conseguiram controlar o cérebro de uma forma muito inusitada!

Tá, mas quais os benefícios disso tudo?

A partir da manipulação quase que em tempo real de uma população de neurônios é possível relacionar de modo causal um comportamento e sua atividade biológica! Por exemplo, digamos que há indícios de que uma certa população de neurônios está ligada a depressão, ou seja, a inatividade deles ou o excesso de atividade foram ligados a sintomas depressivos em pessoas que possuem essa condição. Então, é possível em condições experimentais fazer com que aquela população de neurônios específica expresse as proteínas sensíveis a luz. Assim, após a incidência de luz em um comprimento de onda específico, é possível ativar ou inibir a população neuronal em questão. Dependendo da manipulação, se os sujeitos experimentais (geralmente os famosos ratinhos) demonstram um comportamento apático, pouca locomoção, falta de interação social, tem-se uma forte evidência de que aquela região está ligada a depressão. Com isso, é possível um maior entendimento da doença, o que pode refletir na descoberta de fármacos que podem ajudar na melhora da condição. Assim, ao invés de dar um remédio específico, esperar que ele faça efeito, e assim correlacionar com o comportamento em questão, essa bioengenharia propicia a manipulação com atrasos de apenas milissegundos do comportamento a ser estudado

Hmm, mas isso tem alguma aplicação direta para humanos?

Além de todo o entendimento a nível molecular, celular, sistêmico e comportamental que essa técnica permite na pesquisa básica, gerando um grande entendimento de como o sistema nervoso funciona em nós e em outros animais, essa tecnologia foi aplicada recentemente na clínica com o intuito de restaurar a visão em pessoas com degeneração da retina.

A retina (Figura 5) é uma região no nosso olho que possui fotorreceptores (parecidos com as proteínas das algas que disse lá em cima!) e permite a transdução do sinal eletromagnético (a luz) em padrões elétricos que representam tudo o que vemos à nossa volta! Esses fotorreceptores são excitados quando a luz incide sobre eles, e assim como as channelrhodpsinas das algas, permitem um fluxo de íons e iniciam uma cascata de reações que nos permite enxergar. Sabendo disso, os pesquisadores conseguiram expressar as proteínas para produção de channelrhodpsinas nas retinas de pacientes cegos que tinham defeitos nos fotorreceptores. Com isso, eles voltaram a perceber a luz, não com o mesmo nível de detalhamento da visão normal, pelo menos por ora. Acredite, isso não é filme de Sci-Fi dos anos 80!

Figura 5. Esquema ilustrando a posição da retina no olho
Fonte: imo.com.br.

Com isso, a pesquisa que se iniciou com a constatação de que algas “percebem” a luz, foi implementada em modelos animais, e até agora permitiu que pacientes percebessem novamente um estímulo sensorial, a luz, que é tão importante para nós. Isso tudo reforça o quão importante é a pesquisa de base e as infinitas possibilidades que elas podem gerar e ainda gerarão como avanço médico, científico, social e intelectual para nós.

Referências

Guru, A., Post, R. J., Ho, Y. Y., & Warden, M. R. (2015). Making sense of optogenetics. The International Journal of Neuropsychopharmacology18(11), pyv079. https://doi.org/10.1093/ijnp/pyv079

McClements, M. E., Staurenghi, F., MacLaren, R. E., & Cehajic-Kapetanovic, J. (2020). Optogenetic gene therapy for the degenerate retina: Recent Advances. Frontiers in Neuroscience14, 570909. https://doi.org/10.3389/fnins.2020.570909

Hegemann, P., & Nagel, G. (2013). From channelrhodopsins to optogenetics. EMBO Molecular Medicine5(2), 173–176. https://doi.org/10.1002/emmm.201202387

Boyden, E. S., Zhang, F., Bamberg, E., Nagel, G., & Deisseroth, K. (2005). Millisecond-timescale, genetically targeted optical control of neural activity. Nature Neuroscience8(9), 1263–1268. https://doi.org/10.1038/nn1525

AdAdamantidis, A., Arber, S., Bains, J. S., Bamberg, E., Bonci, A., Buzsáki, G., Cardin, J. A., Costa, R. M., Dan, Y., Goda, Y., Graybiel, A. M., Häusser, M., Hegemann, P., Huguenard, J. R., Insel, T. R., Janak, P. H., Johnston, D., Josselyn, S. A., Koch, C., Kreitzer, A. C., … Wilson, R. I. (2015). Optogenetics: 10 years after ChR2 in neurons — views from the community. Nature Neuroscience18(9), 1202–1212. https://doi.org/10.1038/nn.4106

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Sobre o autor

Pedro H. Coelho-Cordeiro. Biólogo e mestrando em Neurociências pela Faculdade de Saúde, UnB. É apaixonado pelos mistérios do sistema nervoso (tanto de humanos quanto de animais) desde muito tempo. Ama andar de bike por Brasília e ler livros científicos no seu tempo livre.

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Coelho-Cordeiro, P. H. (2022, 25 de abril). Optogenética: controlando o cérebro com a luz! Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2022/04/25/optogenetica-controlando-o-cerebro-com-a-luz/

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