Você já foi ao oftalmologista fazer “exame de vista”? Se sim, muito provavelmente você se lembra da dificuldade de responder à pergunta: “Qual lente é melhor, essa ou a outra?”. Testes visuais em adultos normalmente fazem uso da comunicação verbal, de modo que seus resultados dependem do relato do paciente. Um exemplo clássico desses testes é feito com a tabela de Snellen (Figura 1), na qual se pede para o paciente identificar letras que são apresentadas em tamanhos decrescentes. Mas como medir a acuidade visual de pacientes bebês que não têm a linguagem verbal desenvolvida?
Primeiro, precisamos entender o que é acuidade visual. Acuidade visual diz respeito à capacidade de reconhecer os detalhes pequenos dos objetos, sua forma e o contorno. Medi-la é o mesmo que mensurar a nitidez da visão: quanto menores os detalhes que o paciente é capaz de enxergar, melhor é sua acuidade visual. Uma baixa nitidez da visão pode indicar problemas oculares. Um deles é a ambliopia, diminuição da capacidade visual em um olho ou em ambos, que surge durante o desenvolvimento da visão. É muito importante que problemas como esse sejam diagnosticados e solucionados o quanto antes para evitar complicações futuras, como o comprometimento visual permanente.
Assim, para solucionar o desafio de medir a acuidade visual em bebês e crianças pré-verbais, alguns testes foram desenvolvidos. Eles são divididos em dois tipos de métodos: testes de olhar preferencial e testes de potencial visual evocado. Vamos falar sobre os testes mais comuns que se utilizam em cada um desses métodos.
Olhar preferencial. No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, o psicólogo Robert Fantz, junto a outros pesquisadores, publicou seus estudos a respeito do desenvolvimento visual em bebês. Nesses estudos, foi observado que os bebês preferiam olhar para estímulos padronizados, como listras pretas e brancas, em detrimento de estímulos homogêneos, como uma superfície toda cinza. Esse comportamento foi chamado de olhar preferencial.
A partir disso, uma equipe de pesquisadores, coordenada pela psicóloga Davida Teller, desenvolveu o método do olhar preferencial de escolha forçada (Figura 2). Ele consistia em apresentar para o bebê, em uma tela, duas imagens ao mesmo tempo, uma de cada lado. Uma das imagens era uma placa listrada em preto e branco, e a outra, uma placa toda cinza. As posições das placas se alternavam, podendo a placa listrada estar à direita ou à esquerda da tela. Além disso, a espessura das listras e a quantidade de listras por placa também variavam (Figura 3).
Em cada apresentação de um par de placas durante o teste, o examinador deveria registrar para qual lado o bebê olhava por mais tempo – esquerda ou direita. O resultado do exame era expresso por meio do comportamento do bebê de diferenciar, por meio do olhar, as placas listradas daquelas totalmente cinza. Conforme as listras diminuíam de espessura e as placas se tornavam mais parecidas, mais difícil era prever para onde o bebê iria olhar. Até que chegava um ponto em que o bebê não era mais capaz de diferenciar os dois estímulos. Isso acontece porque quando as listras estão bem finas não temos resolução visual para percebê-las, e a placa vai parecer cinza. A acuidade visual do bebê, então, era dada pela menor espessura de linhas pretas e brancas que o bebê era capaz de discriminar.
Esse método é bastante demorado, o que ocasiona a dispersão da atenção dos bebês. Para solucionar esse problema, pesquisadoras estadunidenses, como Velma Dobson, Luisa Mayer, Eileen Birch e Linda Hale, desenvolveram uma variação do método, chamada de técnica do olhar preferencial operante . Essa técnica fazia uso de recursos lúdicos, transformando o teste em uma espécie de jogo no qual os bebês, a partir de 15 meses de idade, deviam apontar para a imagem listrada e, a cada resposta correta, a criança era recompensada com doces, aplausos ou elogios, por exemplo.
Outro problema do método original era o alto preço dos seus equipamentos, o que dificultava sua ampla utilização na clínica. Como solução, Missy McDonald e seus colegas pesquisadores substituíram os equipamentos por cartões de papelão, o que ficou conhecido como Teste dos Cartões de Acuidade de Teller (CAT ou TAC) (Figura 4). Além dessas técnicas, que fornecem medidas comportamentais da acuidade, também podem ser utilizadas medidas eletrofisiológicas, com base em potenciais evocados por estímulos visuais.
Potencial visual evocado. O potencial visual evocado é uma resposta elétrica do cérebro que acontece quando somos apresentados a uma informação visual. Essa informação percorre um caminho desde a retina, no olho, até o córtex visual primário, no lobo occipital. Esse método de avaliar a acuidade faz uso do registro da atividade neural ao longo desse caminho. Nele, cada olho é testado individualmente. Para isso, são colocados eletrodos no couro cabeludo do paciente enquanto ele está posicionado em frente a uma tela de computador em que são apresentadas imagens. (Figura 5). Normalmente são utilizadas placas cinzas e com listras brancas e pretas, assim como no teste de olhar preferencial, ou ainda imagens quadriculadas, como as de um tabuleiro de xadrez.
Esse teste é relativamente simples e não invasivo. Além disso, a proximidade do córtex visual com o couro cabeludo permite que ele seja bastante preciso. Outro ponto positivo é o baixo tempo de duração do teste. Apesar da maior precisão em relação ao teste de Teller, o teste de potencial visual evocado exige equipamentos mais complexos do que cartões de papelão, como amplificadores fisiológicos e um sistema computacional que gera as imagens, analisa as respostas e calcula os resultados, o que faz com que ele seja mais caro.
Imagens diferentes geram potenciais neurais diferentes. Quando temos o mesmo padrão de ativação para a imagem listrada (ou quadriculada) e a imagem cinza, entendemos que o bebê não foi capaz de diferenciá-las, e isso revela sua acuidade. Esse teste, assim como o de olhar preferencial, depende muito da atenção e do estado de alerta do bebê. Ou seja, os resultados podem ser comprometidos pela dispersão do examinado. Dessa forma, o examinador deve usar recursos lúdicos que prendam a sua atenção, como interações, brinquedos e brincadeiras.
Como vimos, o uso dos métodos apresentados possibilita a avaliação da acuidade visual de pacientes não-verbais. Isso é importante porque, além de facilitar diagnósticos precoces, torna esse tipo de exame mais inclusivo. Assim, permite que crianças pré-verbais, ou pessoas com algum tipo de comprometimento de linguagem verbal, tenham sua acuidade visual medida e corrigida. A partir da identificação de doenças oftalmológicas precoces, os testes possibilitam o início do tratamento. Tudo isso pode resultar em melhorias significativas na qualidade de vida presente e futura de diversas pessoas, incluindo bebês!
Referências
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Sobre os autores
Bruna Mariz Silva Egreja. Graduanda em psicologia pela UnB. Possui interesses em Psicologia Evolucionista e processos psicológicos básicos. Seus passatempos favoritos são maratonar séries com sua avó e fazer bolos gostosos
Iago Ferreira Sampaio. Graduando em Psicologia pela UnB. Possui interesse na área de Análise do Comportamento. Seu passatempo principal é assistir a animes e séries.
Kairo Gonçalves Mota. Graduando em Psicologia pela UnB. Possui interesse em Psicologia Social e questões de gênero e sexualidade. Em seu tempo livre gosta de ler, assistir séries ruins e de jogos online.
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Egreja, B. M. S., Sampaio, I. F., & Mota, K. G. (2021, 28 de setembro). Avaliação da acuidade visual em bebês: Olhar preferencial e potencial visual evocado. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2021/09/28/avaliacao-da-acuidade-visual-em-bebes-olhar-preferencial-e-potencial-visual-evocado/