Do outro lado do muro: um diálogo crítico sobre a Neuroarquitetura

E se o ambiente físico da escola conseguisse estimular o aprendizado? E se a estrutura dos hospitais pudesse auxiliar na recuperação dos pacientes? Quão estressado ou solitário você tem se sentido? Talvez você não saiba, mas o espaço físico onde você está nesse exato momento pode estar influenciando no seu bem-estar ao ler esse texto. Com o avanço das neurociências e o aumento do entendimento da relação entre o espaço físico e o bem-estar humano, cada vez mais os pesquisadores têm tido preocupação com essa temática. Essa busca não é exatamente algo novo para os arquitetos, que hoje, em parceria com a Psicologia, buscam pensar não apenas em ambientes funcionais e adequados às nossas necessidades práticas e cotidianas, mas em espaços que eliciam emoções agradáveis. A pesquisadora Maria Luísa Bestetti, da Universidade de São Paulo, fala do conceito de “ambiência”, como humanização dos espaços a partir do equilíbrio de seus elementos constitutivos, e desse diálogo participam várias categorias de estudo [1].

A Neuroarquitetura – uma área que se debruça sobre essa relação – tem ajudado pesquisadores e cientistas na compreensão do meio como modificador da química cerebral e promotor de saúde. Pouco conhecida, essa área vem tentando elucidar como os ambientes nos afetam e como as nossas edificações e cidades influenciam nos comportamentos humanos. Talvez você já tenha reparado que consegue se concentrar mais nas aulas presenciais, ou que, trabalhando no quarto, sente mais sono. O que acontece é que, normalmente, as salas de aula são planejadas para favorecer o aprendizado e o seu quarto não. A iluminação, a disposição de cores, o mobiliário, a acústica, o grau de interferência de estímulos distratores, tudo isso proporciona certas sensações. E descobrir quais as sensações causadas por determinadas características arquitetônicas possibilita a construção de ambientes agradáveis, saudáveis e que eliciam sensações positivas nas pessoas.

A arquiteta e urbanista Andréa de Paiva cita o exemplo do parque da Disney e o seu sucesso absoluto em relação ao objetivo de proporcionar sensações alegres, com uma perfeita organização dos fluxos e detalhes projetuais arquitetônicos e as sensações transmitidas [2]. A construção de unidades e setores de hospitais com janelas e luz natural, por exemplo, também têm sido apontada como importante para recuperação de pacientes, que acabam tendo menor suscetibilidade a prejuízos de saúde mental em relação a pacientes em espaços mal projetados. Um artigo [3] que discute formas de contribuição da arquitetura para a qualidade de vida menciona um espaço desenvolvido para torcedores com transtorno do espectro autista na Arena Corinthians, que possui infraestrutura e adaptação acústica voltada para o bem-estar e retorno das crianças. Os exemplos são infinitos! Um estudo do Centro Europeu de Meio Ambiente e Saúde Humana da Universidade de Exeter descobriu que pessoas que passavam pelo menos duas horas por semana em espaços verdes (como parques naturais) eram sensivelmente mais propensas a relatar boa saúde e bem-estar psicológico do que pessoas que não o fazem [4]. Os pesquisadores britânicos ainda sugerem que o simples fato de viver em área urbana com espaços verdes tem um impacto positivo a longo prazo no bem-estar dos moradores da cidade (Figura 1).

Figura 1. O Plano Piloto de Brasília é um exemplo de área urbana com espaços verdes. Fonte: sonoticiaboa.com.br.

São inúmeros os aspectos do espaço que influenciam nas nossas emoções, vale a pena a pesquisa. Os estabelecimentos podem ser convidativos ou repulsivos a depender de como utilizamos esses recursos de design, disposição material, coloração etc. E é fantástico ver a ciência sendo utilizada para tornar a nossa estadia ou permanência nos espaços mais positiva e agradável. Um banco japonês (Figura 2) nos mostra mais uma aplicação incrível ao quebrar o padrão arquitetônico de seriedade e robustez e apresentar um prédio descontraído, colorido e que diminui a sensação de obrigação e cansaço dos usuários – funcionando como espaço convidativo e leve. Isso gera boas sensações nos funcionários e usuários, melhorando as interações, o humor e até a produtividade, num local que normalmente elicia estresse.

Figura 2. Exemplo de espaço convidativo. Fonte: followthecolors.com.br.

Como tudo tem dois lados, cabe questionar se estamos usando esses conhecimentos em todo o seu potencial. Os exemplos supracitados são algumas contribuições positivas da neuroarquitetura para o nosso dia a dia. Psicólogos e arquitetos têm auxiliado milhares de pessoas na consolidação de espaços de trabalho ideal e de ambiente perfeitos para o relaxamento (Figura 3). Mas o que precisamos lembrar é que o oposto também pode acontecer: de acordo com a arquiteta Priscilla Bencke, especialista em Projetos para Ambientes de Trabalho, espaços mal projetados podem acarretar em graves prejuízos para a saúde física e mental [5].

Figura 3. Ilustração de escritório work friendly. Fonte: Unplash.

Qual o sentido do verde das plantas perder lugar para cidades padronizadas e cinzas de concreto nas quais é essencial usar um GPS para se localizar? A disposição urbanística acelerada, sem bancos, sem praças, com muitas ruas e avenidas, às vezes faz com que as cidades deixem de ser espaços de conexão e encontro, se tornando espaços apenas de locomoção e pressa (Figura 4). Como resultado, eleva-se os níveis de estresse, a sensação de solidão e os sentimentos de desconexão. Carole Spires, membro da International Stress Management Association (ISMA – UK), nos alerta para um triste dado: o Brasil é o segundo país do mundo com maior nível de estresse no trabalho.

Figura 4. Ilustração da pressa nos grandes centros urbanos. Fonte: Unplash.

Será que não é momento de pensarmos sobre o objetivo das nossas cidades serem projetadas para a rápida locomoção e de algumas corporativas ao planejarem escritórios que incitam competitividade entre os funcionários? Quais sentimentos os nossos templos e igrejas evocam com suas arquiteturas majestosas, cheias de ouro e grandeza? Por que sentimos medo de certas áreas da cidade? Em seus escritos para a Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a pesquisadora Sandra Mara Garbelini denuncia a arquitetura das prisões brasileiras que, com condições desumanas, de extrema fragilidade e insalubridade, fazem “qualquer preso sentir inveja de seu ancestral macaco que vive em melhores condições numa jaula em zoológicos” [6]. Se o espaço utiliza seus elementos constitutivos para evocar sentimentos de medo, inferioridade, raiva, solidão e desespero, qual o objetivo dessa instituição? Será que a sensação de controle, subalternidade e rejeição, proporcionadas pelas estruturas rígidas e grosseiras dos manicômios, auxiliam na recuperação dos internos? Se faz necessário pensar que os espaços também podem ser perpetuadores de discursos de poder e opressão, despertando sentimentos negativos e favorecendo o adoecimento (Figura 5). 

Figura 5. Ilustração de espaço não humanizado. Fonte: Unplash.

A neuroarquitetura como área de estudo e aplicação tem uma grande importância para o dia a dia e saúde das pessoas, amparando significativamente melhoras de performance, de produtividade e de concentração ou promovendo relaxamento e tranquilidade. Mas apesar disso, descortinamos uma motivação perversa: os conhecimentos da neuroarquitetura estariam sendo utilizados também para o mal? Para responder a essa provocação, nos cabe rememorar a função social de instituições como as igrejas, os manicômios e prisões – e recapitular quais os benefícios de uma parcela da população silenciada, reprimida e controlada pelas emoções.

O potencial positivo da neuroarquitetura é gigante e belíssimo. Mas a edificação das nossas instituições e cidades também pode contribuir para a produção de sofrimento e para a perpetuação de certos sistemas e formas de sociabilidade. A grande questão é: qual forma de sociabilidade queremos? Fica o desafio!

Referências

[1] Bestetti, M. L. T. (2014). Ambiência: Espaço físico e comportamento. Revista brasileira de geriatria e gerontologia, 17(3), 601-610. https://doi.org/10.1590/1809-9823.2014.13083

[2] Paiva, A. (2019). O que a Disney nos ensina de NeuroArquitetura? NeuroAu. https://www.neuroau.com/post/o-que-a-disney-nos-ensina-de-neuroarquitetura

[3] Cardeall, C. C., & Vieira, L .R. C. (2021). Neurociência como meio de repensar a arquitetura: Formas de contribuição para a qualidade de vida. Cadernos de Graduação: Ciências Humanas e Sociais, 6(3), 55-70. Recuperado de https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/9980

[4] White, M. P., Alcock, I., Wheeler, B. W. & Depledge, M. H. (2013). Would you be happier living in a greener urban area? A fixed-effects analysis of panel data. Psychological Science, 24(6), 920-928. https://doi.org/10.1177/0956797612464659

[5] Bencke, P. (2018, 13 de julho). Como os ambientes impactam no cérebro? Qualidade Corporativa. http://www.qualidadecorporativa.com.br/como-os-ambientes-impactam-no-cerebro/

[6] Garbelini, S. M. (2021). Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida execução penal. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília 1(18), 145-160. [7] VivaDecoraPRO. (2021, 8 de abril). Neuroarquitetura: O que é e como ela interfere na criação dos ambientes. VivaDecoraPRO. https://www.vivadecora.com.br/pro/arquitetura/neuroarquitetura/

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Imagem da capa do post: Unplash.


Sobre a autora

Clara Parente B. Oka. Graduanda no último semestre do curso de Psicologia (UnB). Pesquisadora e admiradora da Saúde Mental crítica, de base social-comunitária. Defensora dos Direitos Humanos, das minorias sociais, da educação pública e do SUS. Amante da arte, da dança e de bons filmes. Eterna aprendiz.

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Oka, C. P. B. (2021, 31 de julho). Do outro lado do muro: um diálogo crítico sobre a Neuroarquitetura. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2021/07/31/do-outro-lado-do-muro-um-dialogo-critico-sobre-a-neuroarquitetura/

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