Você provavelmente já imaginou como seria poder controlar o tempo. Isto é, poder parar, acelerar ou até diminuir a velocidade do tempo. Afinal, quem de nós nunca quis que aquela aula chata passasse mais rápido ou que o recreio durasse mais alguns minutos? Bom, segundo Einstein e sua teoria da relatividade geral, desacelerar o tempo é uma tarefa quase impossível a menos que você tenha acesso a algum modo de viajar em velocidades próximas a da luz, o que é altamente improvável. No entanto, psicologicamente falando, é possível que tenhamos experiências durante as quais a nossa percepção de tempo não esteja de acordo com a passagem real do tempo. Em outras palavras, as pessoas podem perceber o tempo passando de formas diferentes. Mas como isso ocorre?
Nosso cérebro possui vários relógios internos com diferentes funções, seja para te acordar para você não se atrasar para a aula, ou apenas para marcar a passagem de tempo e nos dar uma noção temporal razoável. Muitos fatores podem influenciar nossa percepção temporal, tais como nossa idade, temperatura corporal, atenção e alterações químicas no cérebro. Alguns desses fatores se relacionam com os nossos passatempos modernos prediletos, como navegar na internet, jogar videogame ou assistir TV.
Entre as alterações químicas, o neurotransmissor dopamina se destaca. A dopamina é um dos neurotransmissores mais importantes para as funções motoras, endócrinas e cognitivas. A dopamina está diretamente relacionada com a percepção de prazer, vício, mecanismos atencionais, memória, aprendizagem e — pausa dramática — percepção de tempo. Alguns estudos têm sugerido que atividades que exigem atenção e atividades prazerosas alteram os níveis normais de dopamina em determinadas áreas encefálicas. Mais recentemente, pesquisas relacionaram essa liberação de dopamina em atividades prazerosas com a nossa percepção do tempo decorrido.
Lembra aquele recreio que teoricamente durava 20 minutos, mas que, para você, não tinha passado nem 10 e o sinal já estava tocando? Acredite: a culpa não era do relógio e sim da dopamina, pois realmente tinham se passado 20 minutos. Um exemplo muito claro e mais atual é referente ao tempo que passamos na internet. Um estudo recente feito por pesquisadores britânicos revelou que as pessoas tendem a subestimar o tempo real que passam mexendo nas redes sociais e/ou assistindo séries, vídeos e filmes. Quem nunca maratonou uma temporada de uma vez só em um único dia, que atire a primeira pedra. Nesses casos é possível inferir que estava havendo uma alta liberação de dopamina e a soma dessa base biológica com a base contextual, explicaria a nossa percepção acelerada do tempo decorrido.
Uma pesquisa realizada em julho de 2020 pela empresa de pesquisas GlobalWebIndex, mostrou que durante a pandemia da COVID-19 cerca de 54% dos participantes relataram um aumento do tempo que passaram em frente a telas assistindo filmes e programas diversos, e 43% dos participantes também disseram que passaram mais tempo nas redes sociais. Isso indica que quase metade dos participantes estão usando a internet por um período mais longo, em comparação com o período anterior a COVID-19. Talvez essa seja uma estratégia coletiva compartilhada socialmente para passar por esse tempo de pandemia que parece que não acaba nunca. Assim, pelo menos enquanto estamos envolvidos com os meios que a tecnologia dispõe, o tempo passa um pouquinho mais rápido.
No entanto, há outros elementos que modulam a nossa percepção temporal. Um fator muito importante é a atenção, crucial para nos dar uma noção de tempo mais precisa. Você já deve ter ouvido falar que “o tempo voa quando a gente se diverte”, certo? Isso acontece, entre outros motivos, porque nossos recursos cognitivos voltados para a atenção são limitados. Isso significa que quando damos atenção para uma determinada tarefa que não envolva a contagem do tempo, diminuímos a atenção para medir o tempo e, consequentemente, temos uma percepção alterada da duração dos eventos.
Um estudo de 2009, realizado por colaboradores de várias universidades, demonstrou esse efeito em um experimento interessante. Durante o experimento, os participantes ouviam um estímulo sonoro por poucos segundos e, no meio da apresentação desse estímulo, havia uma lacuna de silêncio, em seguida o estímulo retornava e, enfim, cessava. Depois os participantes deveriam dizer qual foi a duração total do estímulo. Foi observado que, quando a lacuna demorava para aparecer, os participantes relatavam uma menor passagem de tempo. Da mesma forma, quando a lacuna aparecia mais próxima do começo do estímulo, eles relatavam um tempo maior. Em suma, enquanto os participantes prestavam mais atenção no momento em que o estímulo iria aparecer, eles não estavam prestando atenção na passagem de tempo. Portanto, os pesquisadores constataram que quanto mais distraído você estiver com alguma coisa, “mais rápido o tempo passa” e quanto mais atento você estiver ao tempo, “mais devagar ele vai passar”. Dito isso, ficar contando os minutos para o término da aula não é uma boa estratégia, mas talvez, se você prestar bastante atenção nela, o tempo pode passar mais rápido.
Esse fenômeno também pode ser obervado, por exemplo, em videogames. Quando o jogo exige uma tarefa de tempo, como um jogo de futebol, no qual seu objetivo é pontuar o máximo possível antes do tempo acabar, pode parecer uma eternidade quando você está com a vantagem e está aguardando o juiz apitar indicando o fim da partida. Em um jogo mais frenético, como os famosos jogos de corrida da franquia Need For Speed, você estará ocupado demais desviando dos obstáculos, dos outros veículos e tentando ultrapassar os oponentes, para prestar atenção no tempo. Logo, é de se esperar que você tenha a impressão de que o tempo tenha passado mais rápido. Vale mencionar que o ritmo musical pode nos fornecer importantes informações de tempo. Então, há uma possibilidade de que jogos musicais como o clássico Guitar Hero, que, embora exijam grande atenção estão fortemente relacionados com o ritmo musical, possam não apresentar esse efeito de forma tão robusta.
É claro que o conteúdo que acessamos também pode influenciar na nossa percepção de tempo. Em situações de medo ou estresse, tendemos a sentir os eventos passando mais lentamente. Isso quer dizer que quando assistimos a um filme de terror na TV, por exemplo, as cenas aterrorizantes parecem durar duas ou até três vezes mais do que realmente duram. Além disso, sempre estamos bucando novos jogos para jogar, novos filmes para assistir, novas séries para acompanhar e novos conteúdos para aprender. Nossas primeiras experiências com algo costumam parecer que duraram mais tempo do que realmente duraram. Isso explica em parte o porquê de crianças sentirem menos a passagem do tempo do que os adultos. Afinal, elas estão sempre tendo novas experiências.
Enfim, como já dizia o poeta e cantor Renato Russo na música Tempo Perdido, nós “temos nosso próprio tempo”. É importante que saibamos administrá-lo bem e que o aproveitemos ao máximo. Pois o tempo é uma das poucas coisas que não podemos recuperar. Portanto, lembre-se disso quando estiver navegando na internet, jogando ou assistindo TV, pois às vezes nos distraímos tanto com isso tudo que nem vemos a vida passar. E quando percebemos, já é tarde demais.
Referências
Andrews S., Ellis, D. A., Shaw, H., Piwek, L. (2015). Beyond self-report: Tools to compare estimated and real-world smartphone use. PLoS ONE 10(10): e0139004. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0139004
Ferreira, V. F. M., Paiva, G. P., Prando, N., Graça, C. R., & Kouyoumdjian, J. A. (2016). Time perception and age. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 74(4), 299-302. https://doi.org/10.1590/0004-282X20160025
Fortin, C., Fairhurst, S., Malapani, C., Morin, C., Towey, J., & Meck, W. H. (2009). Expectancy in humans in multisecond peak-interval timing with gaps. Attention, Perception, & Psychophysics, 71(4), 789–802. https://doi.org/10.3758/APP.71.4.789
Hoagland, H. (1933). The physiological control of judgments of duration: Evidence for a chemical clock. The Journal of General Psychology, 9(2), 267-287. http://dx.doi.org/10.1080/00221309.1933.9920937
Reed, P. (2019) How the internet stops your brain telling time. Psychology Today. Recuperado em: https://www.psychologytoday.com/us/blog/digital-world-real-world/201906/how-the-internet-stops-your-brain-telling-time
Simen, P. & Matell, M. (2016). Why does time seem to fly when we’re having fun? Science, 354(6317), 1231–1232. https://doi.org/10.1126/science.aal4021
Áudio do post
Siga por e-mail e compartilhe nas redes sociais
Fonte da imagem da capa do post: Unsplash.
Sobre os autores
Bianca Cruvinel de Souza. Graduanda na Universidade de Brasília (UnB). Interessada na área de Psicologia do Desenvolvimento Humano. Gosta de comida boa e abraços quentinhos.
Lara Perícoli. Graduanda na Universidade de Brasília (UnB). Tem interesse nos temas relacionados à Neurociência, Psicologia Cognitiva e Psicometria. Nata contemplacionista do universo, fascinada por nasceres e pores do sol. Amante de gatos e sucos. Completamente viciada em música e na base científica das coisas.
Mateus de Macêdo Rabelo. Graduando na Universidade de Brasília (UnB). Mais conhecido pelo vulgo de Takato, é a definição de sonhador. Aficionado por ficção e fantasia. Tem grande interesse nas áreas de Neurociências, Psicologia Cognitiva e Percepção. Seus passatempos incluem assistir séries, ler quadrinhos, jogar online e planejar a dominação mundial.
Termos de reprodução e divulgação do texto
Todos os textos publicados no eupercebo.unb.br podem ser reproduzidos na íntegra ou parcialmente por meios impressos e digitais, desde que não sofram alterações de conteúdo e que a fonte seja mencionada. Como referenciar este texto (normas da APA):
de Sousa, B. C., Perícoli, L., & Rabelo, M. M. (2021, 26 de fevereiro). O tempo voa quando a gente se conecta: Saiba como redes sociais, games e serviços de streaming aceleram o tempo percebido. Eu Percebo. https://eupercebo.unb.br/2021/02/26/o-tempo-voa-quando-a-gente-se-conecta-saiba-como-redes-sociais-games-e-servicos-de-streaming-aceleram-o-tempo-percebido/