A diversidade de formas de se perceber a passagem do tempo é instigante. Por que às vezes o tempo passa sem que notemos? E por que em outras situações um minuto dura uma eternidade? Vários fatores influenciam nossa percepção de tempo. Um fator bem curioso é a temperatura! Nesse texto iremos abordar a relação entre percepção de tempo e a temperatura, tanto a interna quanto a do ambiente.
Antes de falar sobre o que pode ou não influenciar a percepção do tempo, é preciso saber que estudos experimentais produziram provas consistentes de que temos um relógio interno. Assim, sabemos que nossos comportamentos que dependem do tempo são baseados nesse relógio interno. Esse mecanismo não possui um sistema sensorial específico, com órgãos especializados como a visão e audição. Ainda, ele produz uma percepção subjetiva de como sentimos o tempo passar. Tais fatores evidenciam a dificuldade de se mensurar o fenômeno.
O cientista francês Marcel François, em 1927, foi o primeiro a sugerir que há uma influência da temperatura na percepção do tempo. Ele relacionou a oscilação da velocidade dos processos orgânicos, entre eles a temperatura, com o aumento ou diminuição da percepção de passagem do tempo. Essa ideia se apoia em leis de fisiologia e química, que dizem que as reações químicas acontecem mais rápido quando aquecidas. Em seu estudo, François usou da passagem de correntes elétricas de alta frequência para induzir o aquecimento corporal e observar o efeito desse aquecimento sobre os julgamentos de percepção de tempo.
Desde então, diferentes métodos para investigar a influência da temperatura na percepção temporal foram empregados. Os experimentos clássicos da área se utilizam de diversos procedimentos, alguns com base em alterações da temperatura ambiente e alguns observam alterações na temperatura corporal. Os métodos usados são simples, mas criativos: febres naturais, capacetes aquecedores, roupas de vapor, ar-condicionado e aquecedores das salas, entre outros.
Para entender os experimentos feitos sobre o tema é preciso ter em mente que a estimação de tempo, com base no relógio interno, pode ser prospectiva ou retrospectiva. Quando é retrospectiva significa que você está estimando um período de tempo que já passou. Já quando é prospectiva, você estima o tempo enquanto o período acontece, como se fosse um cronômetro interno.
Outro autor muito lembrado dessa área de pesquisa é o americano Hudson Hoagland, que também conduziu estudos clássicos na área. Em 1935, ele demonstrou a percepção de tempo prospectiva de sua esposa em diferentes momentos de sua febre (Figura 2). Ela deveria contar 60 segundos e os minutos ditados por ela eram mais curtos a medida que sua febre aumentava. Com isso, entende-se que os eventos e estímulos externos eram percebidos como mais longos em relação aos eventos internos, visto que “duravam mais minutos”.
De acordo com um estudo de revisão sobre o tema realizado por Wearden e Penton, da Universidade de Manchester, a maioria dos experimentos foram feitos com percepção prospectiva (i.e., os participantes deveriam contar até x segundos ou realizar uma atividade durante x segundos; então, a contagem do participante era comparada com o tempo transcorrido). Os resultados dos 14 estudos revisados mostraram que o aumento da temperatura corporal leva a uma percepção de que o tempo está passando mais rápido, enquanto a diminuição gradual da temperatura faz com que a percepção seja de que o tempo está passando mais devagar. A maioria desses estudos entendem que a temperatura afeta a contagem do relógio interno e isso faz com que o comportamento de contar ou estimar o intervalo mude.
Os estudos apontam que a temperatura corporal está associada com diferenças na percepção de intervalos curtos de tempo. Evidências de alteração da percepção temporal são mais difíceis de serem encontradas em intervalos longos. Peter Hancock, um cientista britânico-americano que estuda fatores humanos e ergonomia, mostra em seus estudos que não foi possível encontrar indícios de que a temperatura influencia na percepção de anos, décadas ou mais. Ou seja, pessoas que moram em lugares quentes não sentem o tempo passar mais rápido do que as pessoas que moram em lugares frios.
Além da temperatura corporal, outros fenômenos fisiológicos também são associados com mudança na percepção de tempo, tais como: atividade eletroencefalográfica, pressão sanguínea, pulsação, respiração, efeito de drogas. O momento do dia também parece influenciar nessa percepção.
O debate sobre o impacto da temperatura sobre a percepção de tempo ainda está em aberto, já que os métodos utilizados nas pesquisas até então não puderam estabelecer a relação e o escalonamento exato entre alterações de temperatura e sua respectiva influência na percepção temporal. O desenvolvimento de tecnologias mais precisas pode auxiliar nos estudos e nos métodos aplicados. Ainda, há pouca literatura que relacione “percepção da passagem do tempo” e “temperatura” se comparado a temas de processos perceptuais em geral. Por fim, praticamente não há conteúdo em português.
Frente o exposto neste texto, a resposta para a pergunta do título é: depende! Estudos apontam que em um curto período de tempo, o aumento da temperatura corporal ou ambiental pode afetar o desempenha em tarefas relacionadas a percepção da passagem temporal. Porém, não existem evidências de que uma longa exposição a temperaturas elevadas, como morar em cidades mais quentes, altera a percepção da duração do tempo.
Referências
Alderson, J. (1974). Effect of increased body temperature on the perception of time, Nursing Research, 23(1), 42-49. https://doi.org/10.1097/00006199-197403000-00046
Hancock, P. (1993). Body temperature influence on time perception, The Journal of General Psychology, 120(3), 197-216, https://doi.org/10.1080/00221309.1993.9711144
Hancock, P. A & Hancock, G. M. (2014). The effects of age, sex, body temperature, heart rate, and time of day on the perception of time in life, Time & Society, 23(2), 195–211, https://doi.org/10.1177/0961463X13479187
Wearden J. (2016) A brief history of time perception. In: The Psychology of Time Perception. Palgrave Macmillan, London. https://doi.org/10.1057/978-1-137-40883-9_2
Wearden, J. H. & Penton-Voak, I. S. (1995). Feeling the heat: Body temperature and the rate of subjective time. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 48 (2), 129-141, http://dx.doi.org/10.1080/14640749508401443
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Fonte da imagem da capa do post: A persistência da memória (Salvador Dalí), retirado de culturagenial.com.
Sobre as autoras
Thamyris Pimentel da Fonseca. Graduanda em Psicologia pela UnB. Interessada nos fenômenos da mente e nos transtornos mentais. Em busca de conhecimento científico e aplicado. Enquanto caminho na formação acadêmica, recarrego minhas energias assistindo séries e brincando com meus pets.
Isabela Sartori da Silva. Graduanda em Psicologia pela UnB. Procurando descobrir mais sobre desenvolvimento humano e subjetividade, interessada em uma psicologia crítica e transformadora. Encantada pela ideia de conhecer o mundo e outras culturas.
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da Fonseca, T. P., & da Silva I. S. (2020, 20 de dezembro). A temperatura influencia a percepção da passagem do tempo? [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2020/12/20/a-temperatura-influencia-a-percepcao-da-passagem-do-tempo/
Muito interessante