Saiba como funciona, os sistemas disponíneis e alguns prós e contras de cada um
Desde invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, os filmes têm aumentado cada vez mais a capacidade de imersão dos expectadores. Eles ganharam som, cor e efeitos especiais. Agora é a vez da tecnologia tridimensional (3D). Depois de um primeiro auge na década de 50 com os icônicos óculos de lentes de celofane azul e vermelho, o cinema 3D obteve um desenvolvimento discreto, de desempenho limitado. Com poucos filmes desde a década de 90 até há pouco tempo, quase não se ouvia falar nele.
A cena mudou depois que Avatar, de James Cameron, assumiu o posto de maior bilheteria da história do cinema mundial, com US$ 2,7 bilhões em faturamento. Isso fez com que a indústria de entretenimento investisse pesado nesta tecnologia no cinema, video games, TVs, computadores e até celulares. Este artigo foi feito para o leitor que voltou às salas de cinema para conferir o novo momento do 3D e que, logo após tentar pegar um Smurf no ar ou se desviar do escudo do Capitão América, se perguntou como isso era possível.
A tecnologia 3D promove um aspecto de tridimensionalidade a uma cena visual, em outras palavras, uma percepção de profundidade. Como é comum no meio científico, esta tecnologia se baseou em aspectos de sistemas biológicos para ser desenvolvido, neste caso, o sistema visual humano. Nós temos uma visão binocular (estereoscópica), ou seja, enxergamos uma mesma imagem de dois ângulos ligeiramente diferentes e alinhados horizontalmente. O cérebro funde as duas perspectivas e cria uma visão única conseguindo calcular por estimativa as informações de profundidade, distância, posição e tamanho dos objetos. O interessante é que a realidade em três dimensões é uma construção do nosso cérebro: tanto a tela do cinema quanto nossa retina são planos bidimensionais.
As diferentes técnicas de projeção 3D se baseiam, em maior ou menor grau, neste fenômeno: uma imagem 3D é formada da sobreposição de duas imagens iguais filmadas em ângulos diferentes. Logo, a captação da imagem deve ser feita por duas lentes ao mesmo tempo e que se distanciam entre si cerca de seis centímetros (que é a distância média entre os olhos de uma pessoa). Softwares fazem uma correção de enquadramento em tempo real, o que dá uma impressão mais realista. Uma adaptação menos onerosa é filmar por uma lente que reflete para outra lente que também filma a imagem, que depois é editada (inversão, correção de cor e brilho). Porém este método vem sofrendo críticas porque não traz a sensação real de terceira dimensão. O melhor efeito é conseguido nas animações feitas em computação gráfica, já que tudo é manipulado no computador. A reprodução digital no cinema também é feita, em geral, por dois projetores: um para cada olho. Existem diferentes tecnologias para criar um aspecto em 3D, as quais você conhecerá nas linhas seguintes.
Anáglifo
É um dos métodos mais antigos e você facilmente o reconhece pelo uso daqueles óculos com lentes azuis e vermelhas. A estereoscopia acontecia com uma projeção predominantemente vermelha e outra predominantemente azul (ou verde). A lente azul e a vermelha bloqueiam as cores azuis e vermelhas, respectivamente. A diferença de cores em ângulos diferentes causa o efeito de profundidade quando o cérebro interpreta a cena visual. Esta técnica foi descartada pela indústria cinematográfica, pois não proporciona fidelidade na percepção de cores e se mostra incômoda em exposições muito longas podendo causar dores de cabeça, náusea, tontura e vômito. Como ponto positivo, o anáglifo é de fácil acesso. Neste sistema circulam milhares de vídeos e imagens na internet. Os óculos podem ser encontrados facilmente ou você mesmo pode construir um. Clique aqui para um passo-a-passo de como fazer isso.
Polarizado (ou passivo)
Esta é a técnica mais utilizada nas salas de cinema digitais nos dias atuais. A diferença em relação ao anáglifo é que as projeções estereoscópicas não se diferem mais na cor, e sim na polarização. Deste modo, supera-se a distorção de matiz atingindo uma maior fidelidade de cor. No par de óculos 3D, cada lente é polarizada de maneira diferente de modo que filtra apenas ondas de luz alinhadas na mesma direção. Por exemplo, uma lente pode filtrar ondas polarizadas horizontalmente e a outra, ondas polarizadas verticalmente. Este é um tipo de polarização linear, e se você inclinar a cabeça para o lado poderá perceber uma perda do efeito de profundidade. Isso não ocorre em uma polarização circular, uma vez que a orientação não diminui a sensação de tridimensionalidade. As atuais salas de cinema utilizam em sua maioria a polarização circular. Além disso, a tela é desenvolvida para manter a polarização original quando reflete a luz do projetor e para aumentar o brilho, visto que os óculos têm a lente escura.
Ativo
Outra tecnologia é o 3D Ativo, que está presente na primeira leva dos aparelhos de TV em 3D que utilizam óculos e em algumas salas de cinema. Este modelo oferece a maior nitidez e qualidade das cores entre as tecnologias 3D. A estereoscopia acontece com a alternância muito rápida de imagens iguais em duas angulações diferentes. Um emissor na TV e um sensor em óculos de cristal líquido (LCD) sincronizam via ondas de rádio a apresentação de imagens de modo que cada lente se fecha para uma determinada angulação. Sendo assim cada imagem chega somente a um olho, ao contrário da apresentação simultânea e sobreposta de outras tecnologias. Como o processo é muito rápido, o expectador não percebe isso e quanto maior a frequência de apresentação, maior o efeito 3D. Diferente dos óculos polarizados, os de LCD ativo de fechamento requerem circuitos e bateria, de modo que são mais caros e nem sempre compatíveis entre os fabricantes. Atualmente os grandes fabricantes de eletroeletrônicos estão disputando a preferência do mercado entre aparelhos que utilizam o sistema ativo e o passivo. Televisores com 3D polarizado andam ganhando espaço. Eles apresentam melhor comodidade (menor cansaço visual, óculos leves e mais confortáveis, liberdade de posição), preços mais acessíveis e resultados de imagem satisfatórios. Por outro lado, a tecnologia do 3D ativo está evoluindo rápido e oferece a melhor qualidade e realismo de imagem. Para maiores informações sobre essa disputa, clique aqui ou aqui.
Barreira paralaxe (ou autoestereoscópico)
A tecnologia mais recente em 3D inovou em dispensar o uso de óculos e está presente na mais nova geração de TVs 3D, mas ainda é inviável para o cinema. A imagem produzida é entrelaçada simultaneamente. A filtragem é feita por diferentes angulações diretamente na tela, em uma barreira paralaxe, no intuito de que cada olho perceba uma imagem. Esta barreira é uma fina camada de cristal líquido a frente da tela com fendas de onde se projetam duas imagens diferentes, uma para cada olho. Cada olho forma uma imagem de um ângulo diferente. Ao alinhar as duas imagens, o cérebro estima a profundidade. Esta tecnologia ainda está sendo desenvolvida e tem um preço elevado. A imagem sofre um escurecimento e o observador deve estar posicionado bem à frente e perpendicular ao aparelho de TV para que se formem representações tridimensionais que às vezes causam incômodo. Devido à restrição de ângulos de visão, o sistema vem sendo adotado em dispositivos portáveis. O Instituto de Tecnologiade Massachusetts, MIT, vem obtendo resultados satisfatórios em um novo tipo de barreira paralaxe que tem maior ângulo de visão e perspectivas múltiplas; para saber mais clique aqui ou aqui.
Clicando aqui você verá animações para os quatro tipos de tecnologias 3D expostos. Não se sabe ao certo qual tecnologia se desenvolverá mais e dominará o mercado. Para uma maior expansão da mídia 3D é preciso solucionar alguns problemas. Os óculos diminuem o brilho percebido e causam desconforto, assim como a barreira que ainda força a vista e limita o posicionamento do observador. Os projetores de cinema, aparelhos de TV e video games ainda têm um preço elevado. Somado a isso, deve-se considerar as diferenças individuais que ditam: 1) preferências por determinados graus de profundidade e 2) o desconforto na visão; essa ausência de padrão não poderá tão cedo ser resolvido pelas tecnologias disponíveis.
E o mais importante, a tecnologia 3D tem que ser pensada como algo que tenha o que incorporar à experiência do expectador e não ser um mero chamariz mercadológico. Isto tem se observado em alguns lançamentos de filmes que receberam severas críticas, pois foram criados sobre uma plataforma 2D e adaptados em 3D. A indústria cinematográfica ainda precisa consolidar a cultura de conceber filmes em 3D desde a escolha das cenas e o arranjo de sua fotografia. Mas o clima não é de pessimismo, equipamentos 3D estão ficando cada vez mais economicamente viáveis e melhores. Transmissões utilizando esta tecnologia começam a ser adotada para grandes eventos esportivos e shows, e as Olimpíadas de 2012 em Londres foram televisionadas em 3D. Ainda há os otimistas que acreditam na holografia em um futuro não muito distante. Vale esperar o que a tecnologia 3D pode oferecer.
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Fonte da imagem da capa do post: redeglobo.globo.com/globociencia.
Sobre o autor
Rui de Moraes Jr. é Doutor em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília.
Este texto foi originalmente publicado no Blog Percepto em 28/11/2011.
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de Moraes, R., Jr. (2019, 1 de dezembro). Cinema e tecnologia 3D [Blog]. Recuperado de https://eupercebo.unb.br/2019/12/01/cinema-e-a-tecnologia-3d/